segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Não Somos Lixo - Uma Crônica Sobre Relacionamentos Descartáveis







- Sou de uma geração em que as pessoas consertam as coisas ao invés de simplesmente jogar fora.
Disse ele parado ali, completamente estarrecido pela brisa fria da porta enquanto ela se preparava para fechar definitivamente os trincos e deixar um capítulo inteiro da sua vida para trás. Os olhos marejados de angústia e abandono não sabiam mentir o passado de brigas, mágoas e tormentas. É que às vezes a gente machuca o outro mesmo sem saber, assim, nas pequenas indelicadezas do cotidiano. Quando se vê, a embarcação já está avariada demais para continuar a travessia. Os pedaços se desconstroem ali mesmo, numa imensidão de sentimentos, palavras e reticências. E como é fácil abandonar os destroços daquilo que um dia fez viagens tão extraordinárias. O desamparo hoje vive lado a lado com a solidão. Em uma sociedade carente de cuidados, os relacionamentos muitas vezes são tratados como objeto descartável e jogados no lixo com a mesma facilidade com que se despreza uma folha de papel rabiscada.
Manter uma dança a dois é quase tão difícil quanto encontrar alguém para subir ao palco. Se tudo fossem flores se chamaria jardim e não relacionamento. Confesso achar extremamente complicado essa história de colocar alguém com uma trajetória de vida, criação e valores completamente diferentes dos nossos dentro das páginas do nosso livro. A gente veio por um caminho e o outro por uma trilha completamente diferente, sendo assim, é mais do que esperado que ambos se comportem de formas distintas frente a possíveis contratempos. Pela falta de tato em compreender as andanças do outro, surgem as brigas e discussões que instigam um dos dois a abandonar o navio mais cedo. É tão comum a gente jogar tudo para o alto por tão pouco. Tanto sentimento bonito que demorou deliciosos parágrafos para ser construído. Uma divergência de opiniões, um desacordo momentâneo, verde ou rosa, calabresa ou quatro queijos, Paris ou São Paulo, direita ou esquerda, norte ou sul, passado ou futuro. Tudo, dos mínimos aos maiores percalços, quando a relação não está bem consolidada, parece ser motivo de renúncia. É muito mais fácil terminar uma parceria que não está dando certo do que simplesmente tentar acertar os pontos de discordância para que o “tique-taque” do relógio seja encantadoramente o mesmo. No mundo da facilidade, quando algo se quebra, na medida do possível, se troca por outro. Premissa que infelizmente desancora muitos romances por aí.
De fato, à primeira vista, pode parecer muito mais fácil ficar à deriva. Afinal de contas o mar está abarrotado de peixes. Mas se a cada turbulência for necessário recomeçar o fluxo de novo e de novo e de novo, a terra nunca será vista. Imagine os grandes navegadores voltando ao porto na primeira turbulência. Embarcar no caminho do outro também faz parte de uma viagem duradoura. Descompassos sempre existirão aqui, ali ou acolá. O que importa mesmo é o quanto de você está de fato entregue nesta parceria, e só. Caso contrário, é apenas um círculo vicioso de troca de protagonistas. Não existem relacionamentos, pessoas ou momentos perfeitos. O que existem são pessoas realmente dispostas a velejar não importa as condições do tempo. O amor é um vento poderoso. Quando a gente deixa, quando o coração tá cheinho de permissividade ele consegue ser brisa, ventania e furacão na proporção certa, só direcionar as velas que o amor faz o resto.
Relacionamento exige muito mais que disposição, demanda constância e perseverança. Uma vez que os rumos da embarcação são estabelecidos, na grande maioria das vezes uma boa conversa e respirar (bem fundo) são capazes de fazer milagres. Não é porque sua xícara preferida lascou que ela perdeu todo o simbolismo afetivo ou o aroma doce do café da sua mãe. Vai dizer que a comida da vovó na panela que mal se aguenta no fogão não é muito melhor do que muita massa de restaurante requintado?!
Se não tem jeito mesmo, pule da prancha e continue a nadar. Mas se ainda resta um pontinho que seja de vontade e bem querer, reparar as arestas, por mais complexo que possa parecer, pode ser muito mais prazeroso e recompensador do que começar o jogo do amor do zero. Um brinde aos recomeços e outro tintilar de taças ainda maior para as permanências.
Saiu pela porta porque o livre arbítrio a permitia. Voltou, porque sabia que alguém a esperava pacientemente segurando as chaves deixadas impetuosamente para trás.
- Trouxe a cola – disse ela.
E um coração novinho em folha também.



Por Danielle Daian em: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/01/27/nos-nao-somos-lixo-%E2%80%93-uma-cronica-sobre-relacionamentos-descartaveis/



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Sobre tempos e tempos





Houve um tempo em que eu não te conhecia. Nesse tempo eu não conhecia sobre o amor, nem me interessava por nada do tipo. Houve um tempo em que você apareceu, avassaladora, na minha vida. Entrou sem pedir licença, com seus lindos olhos castanhos e seu sorriso estupendo. Nesse tempo eu me senti apaixonado, achei que era amor, mas não era. E você foi embora tão rápido quanto chegou. Após isso, Houve um tempo em que só te vi uma vez no ano. Houve um tempo em que ouvia sua voz e sua risada nas escadas mas não ousava abrir a porta e te encontrar. Houve um tempo em que passei 365 dias sem te ver nem te ouvir. Nesse tempo nada tinha muito sentido, mas eu inventei sentido pra muitas pessoas, só inventei. Houve um tempo em que soube que você estava quase casada. Nesse tempo, perdi todas as esperanças, todas. Até você reaparecer livre, leve e solta, e decidir ficar. Nesse tempo uma chama reacendeu dentro de mim. Houve então um tempo de trevas na minha vida. Nesse tempo eu achei que iria sucumbir, mas você segurou minha mão. Você me abraçou, e decidiu entrar e trancar a porta por dentro. Houve um tempo em que nos conhecemos de verdade, e nos amamos, e nos desejamos. Nesse tempo a gente se bastava. Nesse tempo eu era seu e você era minha, meus beijos eram seus e os seus eram meus, nossos corpos pertenciam um ao outro. Nesse tempo eu descobri o que é amor de verdade. Nesse tempo eu cresci. Nesse tempo conheci coisas, sons e sabores que nunca imaginei conhecer. Mas, então, houve um tempo em que a inveja alheia chegou. Ah, a inveja... Talvez seja esse o maior mal da humanidade... Nesse tempo a inveja deu as mãos para a pontinha de indecisão e as lembranças do passado que haviam em você...e aí você me deixou. Sem mais nem menos, como se eu tivesse feito algum mal. como se nada tivesse existido... Como se eu não tivesse te feito feliz, como se eu não pudesse fazer mais... Nesse tempo tenho dormido agarrado com a saudade e andado com a esperança de que um dia haja um tempo em que você volte,entre, feche a porta por dentro e jogue a chave fora.




terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O que fazer com a saudade?



Absolutamente nada.
Ela irá entrar pela porta da frente, sem convite. Sentar no seu sofá, vestindo suas roupas e com o controle da tevê nas mãos. E, em pouco tempo, será tão familiar que ficará até difícil pedir que se retire. Então você irá observá-la, petulante, enquanto ela cresce bem diante dos seus olhos, como um grande pão sendo fermentado, mesmo que você se recuse a alimentá-la. Saudade se retroalimenta, é autossuficiente como você gostaria de ser.
A saudade é ousada e indiferente, não se importa se você é um péssimo anfitrião, se não oferece um café, se não dispõe um travesseiro para os pés, se tenta – inutilmente – ignorar sua presença. De alguma forma inexplicável, a saudade sabe que você não pode com ela. Você também sabe. E vai deixando ela ficar enquanto torce para que o estrago não seja grande. E ela vai se espalhando pelas paredes, pelos móveis, em todos os cômodos, pelas tubulações de ar, deita na sua cama, toma conta de tudo...
Sufocante, ela te olha bem nos olhos, de forma profunda e penetrante, de forma a não te deixar esconder nada. Nesse momento preciso, vulnerável, você pede que ela se retire. Ela se recusa e se encosta em seu ombro. Você consegue sentir o cheiro dela, um nostálgico perfume de dias felizes, e sabe que precisa fazer algo a respeito, pois não quer chorar. E a saudade tenta te convencer a chorar, porque só então ela poderá te abraçar sem pedir permissão.
Você sabe que essa maldita inescrupulosa conseguiu exatamente o que queria: adormecer em seus braços, de forma pesada, penosa. A saudade sabe que venceu e você tenta enganar a si mesmo diante do espelho dizendo que um novo dia virá e que ela partirá, quem sabe para a casa de alguém que perdeu um familiar ou um ente querido, ou alguém que está longe da pessoa amada, ou uma criança qualquer que perdeu seu brinquedo favorito...
A saudade é onipresente. No dia seguinte você irá acordar e ela estará lá, deitado ao seu lado, e, antes de despertar totalmente, você sentirá suas mãos sujas apertarem seu peito e você berrará de dor – em silêncio – porque, como todos sabemos, a saudade é surda.