segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Estou desistindo de você




Você tá aí, quieta demais, e vem me olhar com essa cara de quem não imaginava, de quem nunca imaginou, que um dia eu iria embora. Tá aí me encarando descrente como sempre fez. Lançando um olhar de reprovação doloroso que duvida de mim. Duvida de mim e duvida de tudo o que eu já fiz, já passei, já corri e já deixei por você. Dessa vez eu bato a porta e apago a luz, dessa vez eu selo a carta e endereço pro lugar certo, dessa vez não tem mais “outra” na frente pra relembrar das segundas chances.
Tô me livrando de você, te desalojando. Te colocando numa caixinha de música velha que vai parar de tocar no exato momento em que eu tirar os olhos de você. Tô te pintando no rosto, meu bem, como listras de guerra. Tô quebrando pratos, deixando a pia mais limpa pra não sujar as tuas mãos. Tô te pintando com laço e de vestido, pra não me esquecer de como você se vestia pro espelho, enquanto arremessava o amor do segundo andar.


Tô te implorando lentamente pra dizer alguma coisa que me pare enquanto eu declaro que tô desistindo de você. Tô levando na mala só o que é meu, e deixo o que era nosso pra você fazer fogueira do passado. Queime os retratos, as correntes, o desprezo e me jogue junto. Talvez assim eu sinta, pelo menos uma vez, alguma coisa que não seja frieza. Tô levando tudo num gerúndio lento, que se arrasta com justificativas pela casa, e a única coisa que você faz é ficar aí me encarando. Marcada, estagnada, calada. Depois da dor toda, você escolheu ficar manchada em mim, feito tatuagem. E nada mais.
Tô desistindo da lembrança de que, talvez você nem lembre, um dia desses a gente se bastava. Do apelo comovido dos presentes de aniversário, dos alarmes silenciados pra me atrasar agarrado em você. Tô desistindo de quem eu amo, cuido, consolo e me fez ver tudo virar passado numa apropriação indevida de nós. Tô desistindo quando não queria mais desistir.
Então usa esse infinitivo pra parar esse gerúndio doído. Me para e grita pra mim que ainda tem lugar pra nós dois aqui antes que eu já tenha desistido. Diz alguma coisa enquanto eu me despedaço e me ponho nas caixas. Diz pra parar a lágrima descendo no meu rosto, diz pra ser clara de vez e me consentir um abrigo renovado. Diz pra mim que muda, por favor, e que muda a minha vida junto. Diz que se lembra de mim e que teus olhos vidrados não são esquecimento. Diz que não me jogou no seu limbo pessoal. Diz e me impede, rápido, de desistir de você.


domingo, 22 de dezembro de 2013

Sobre as lágrimas de um homem que chora






Chorei sim, quando você disse que era o fim. Chorei porque doeu de verdade, porque sou de verdade. Porque tudo foi de verdade pra mim, ou pareceu ser. Chorei porque não tinha ninguém me controlando, porque era eu e minhas palavras contra você e as palavras e sentimentos de outra pessoa.

Chorei porque perdi você para a maldade alheia. Chorei porque perdi por medo de perder. Chorei na sua frente. E por mais vergonhoso que aquilo pareceu ser, não foi. Não há vergonha em ser sincero, em ser de verdade. Não há vergonha em não ser orgulhoso, o orgulho destrói.

Chorei porque você estava e está perdida e não aceita ajuda. Chorei porque você escuta as pessoas erradas, porque você não sabe diferenciar conselhos e cordas de marionete. Chorei porque estou de mãos atadas. Chorei pela saudade. Chorei por amor. Chorei de dor. Chorei pelo luto após o luto. Chorei porque continuo sendo Eu-atalho .





segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sobre nós




Hoje me deu uma vontade de sussurrar torturas nos teus ouvidos e esperar alguma reação tua. Espero, passo os dias esperando, que você nunca mais saia inerte de mim. Saia marcado por uma sensação boa que pode ser prazer ou afeto contente, numa coisa saudosa que não precisa buscar satisfação no passado (porque eu tô bem aqui).
“Te mandarei flores amanhã”. Deixe que te envio flores noutro dia pra compensar a solidão da hora do trabalho, já que você fica sozinha, nessa relação homem-máquina estranha por 40h/semana. Me manda flores também e me deseja, vai. Me deseja de todas as maneiras, mas me deseja com afeto. Me deseja um bom dia e me tira os dentes da boca, me tira dessa sombra que me esconde quando bate a tristeza e a falta de você, moça.


Prometo diante de uma entidade desconhecida que isso é amor. É amor em cada curva, amor naquele seu sinal, amor espelhado nos olhos que reprovam e eu nem ligo. Nem ligo porque sou teu porto e teu porre. Tua estrutura elástica que se adapta, feito camaleão, no contraste da tua pele.  Tão amor-liquidificador que eu não saio inerte de você, nada sai inerte ou estável dessa minha vontade imensa de te fazer feliz. E tu lembra que já me mandou embora tantas vezes que a tua porta já tem as marcas de batida da minha mão. “Vai embora porque você me tem fácil demais”. Tua cama é moldada a mim, mas você tinha um medo descarado de se sentar à mesa com outro homem. Passou, como tudo passa um dia. Passou por mim e eu disse ''olá''.
E nessa vontade que hoje me bateu, arrebatadora, de te dizer essas coisas todas, eu me lembrei de como eu também sou tão seu. Tão teu nos detalhes cotidianos que se a gente não parar a vida pra olhar devagar, vai parecer que a gente já tava grudado num berçário da vida, Já brincava e ouvia Forfun e Raúl juntos desde pequenos . “Será que a gente pode ir pra outro lugar?”. A gente foi e o tempo existe, e também as coisas mudam, você me diz. As coisas mudam e será mesmo que a gente mudou? Será que teve numerologia, tarot, astrologia, runas ou todas essas coisas de sorte que formataram a gente nesse futuro-presente que já passou? Será que teu amor e o meu eram predestinados, mesmo que a gente nunca acreditasse nisso? Balanço a cabeça e afirmo, conduzindo-te num passo de dança enquanto mostro a minha vida. Te faço sala, você é meu quarto. Meu diário-trancado-de-confissões que exprime e pede silenciosamente que seja cuidado, enquanto vulnerável.
Não faz assim, porque cócegas me tiram do sério e eu sou mais forte que você. Dos deuses da mitologia, sou uma mistura de Áries com Dionísio, e você é um Apolo-com-um-quê-de-Narciso, sem ter intenção nenhuma de ser Deus. Mundano, você acredita nas coisas todas daqui, da gente e o nosso amor se encontra em Vênus, prazer. Talvez a gente combine, talvez seja tudo um discurso inflamado pra te dizer que o importante é que as coisas mudam, sim, e a gente pode mudar um dia. E te peço pra não me mandar mais embora por medo, por isso te mando flores e um cartão confessando que eu continuo, sempre, sendo teu.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Você vai lembrar de mim.





Parece que foi há tempos atrás. Em uma época que remetia às aventuras dos mais destemidos heróis da Idade Média e aos romances noir em preto e branco. Aliás, acho que aqueles filmes tinham um quê de mais reais do que os coloridos de hoje em dia. O preto e branco transmitia um sentimento mais verdadeiro. Trágico, profundo, complexo. Tudo preto no branco. Mas não foi há tanto tempo assim. As fotos não me deixam mentir. O teu cheiro na minha camisa não me deixa esquecer. Até as meninas bonitas com milhares de sorrisos movidas a batidas melódicas nas festas me lembram você.
Aquele relógio de pulso que você me deu no meu aniversário não parou Aquela. Curioso. Achei que os ponteiros parariam no exato momento em que você dissesse adeus. Nem as estações congelaram, nem a gravidade cedeu, nem a programação ridícula da Tv aberta fez concessão ao meu sentimento. Estático, sem reação, sem saber o que fazer da vida estou eu. Porque na verdade ninguém se importa. Ninguém sabe mais que eu o que eu estou sentindo. Sabe, você foi a mais bela esperança que eu já tive em meus braços. Você foi, para mim, a resposta de que vale a pena amar alguém tão diferente de você. Você foi. E não volta mais.
Eu nem me dei o trabalho de empacotar as coisas, de retirar tudo o que é seu da minha vida. Eu tentei reagir da melhor maneira possível. Funcionou um pouco, sabia? Mas é que toda vez que eu fico em silêncio, meu coração dispara. Toda vez que eu fecho os olhos, a única imagem que me aparece é você. Eu vou sentir a sua falta. Isso eu nem preciso frisar. As minhas palavras caem no papel com o peso de um milhão de silêncios. Crueldade é que a gente está conectado de todas as formas possíveis, com exceção da única forma que me faria feliz agora. Sabe, eu ouvi dizer por aí que você desatou o nosso nó. Ouvi dizer por aí que eu me perdi e não consegui voltar. Ouvi dizer por aí que a gente se enganou. De verdade? Transformo tudo em pequenos grãos de areia que são tão irrelevantes perto da grandiosidade do que a gente foi.

                                       


Esse quarto tá uma bagunça. O pior é que eu tenho plena convicção de que eu corro um grave risco se tentar arrumá-lo. É uma daquelas faxinas que colocam o que restou do amor em caixas, retira as fotografias dos porta-retratos, apaga os bilhetes gravados na parede e todo tipo de coisa. O risco é guardar isso tudo pra nunca mais encontrar. Síndrome de Faxineiro, sabe? Eu me encontro nessa bagunça que anda o meu coração. E me pergunto por onde você anda, com quem você tem estado, se é verdade o que você diz por aí. Me pergunto se você também tem tentado esconder tudo por trás da máscara de inconseqüência ou se realmente está tudo bem. Confesso que saber que está tudo bem me parece ultrajante: é como se você nunca tivesse sofrido essa dor de amor. Eu espero que você esteja lembrando. Que você se lembre de mim. Pelo menos que o meu nome não tenha sido apagado da tua agenda com tanta facilidade. Pode até esquecer o nome, mas guarda o endereço, por favor.
Bom, vou continuar então a fazer o que eu estava fazendo. Vou continuar a fazer nada por nada e continuar me sentindo nessa mistura de nada com coisa alguma. Tenho fé nas coisas do mundo, tenho fé no clichê do tempo. E falando em clichês, nas últimas horas eu contrariei um dos grandes clichês da humanidade: homem chora sim.


sábado, 23 de novembro de 2013

Sobre a guerra particular dela




Tô com aquele medo, aquela coisa que martela me dizendo pra não cair nessa de novo. Tem alguma coisa aqui dentro piscando, um alerta de que você vai me fazer sentir algo além do frio na barriga e eu te chamo de montanha-russa sem você saber. Se você pudesse ler os meus pensamentos enquanto vira à esquerda, perceberia que o meu sinal ficou fechado por tanto tempo que é difícil deixar o vermelho dar lugar ao verde. Se você pudesse me ler agora, diria que eu tô congelando (mesmo com sol e calor lá fora).
Tô com aquela sensação de barco sem remos, sabe? Sabe, ontem você me falou que era pra eu confiar em você e nessas coisas todas que você fala, mesmo que nenhuma delas fosse bonita. Você também falou isso na semana passada e uns meses atrás quando eu te vi pela primeira vez. Como você me pede pra confiar em olhos de caçador se eu tô acostumada a esboçar olheiras no papel? Meu uso do carvão vai além do uso artístico e eu me pinto com ele, pinto as bochechas, sou prenúncio da guerra. Bochechas pintadas e escondo o rubor, duas faixas em cada lado e tô pronta. Tô pronta pra me defender e lutar contigo até me dar por vencida.
Travo uma batalha completamente sem sentido porque o inimigo não é você. O combate tinha que ser aqui dentro, com mil soldados mortos por minuto e sem decisão, já que eu mudo de ideia de dois em dois minutos. Se me deixo vencer e você dá xeque-mate, que garantia eu vou ter de que esse sentimento todo declamado não passava de estratégia? Se eu me empurro mais pra dentro, cavo uma trincheira e me escondo até você passar, talvez eu perca você pra sempre. Pra sempre assusta e badala doze vezes na minha cabeça antes do trem passar na frente da gente. Por que toda vez que você freia, você me olha? Eu não quero te devorar. Antes quisesse, porque assim eu me defendo sem precisar me entender.


Não sei se você tá vendo ou se vai chegar a ver, mas eu tenho um medo estranho de deixar que me vejam. Medo desses que me atrapalham pra cacete, mas não tem nada que eu possa fazer pra mudar isso. É meu efeito video game: preciso passar de fase, uma a uma, pra ficar mais forte e chegar no chefão. E já foram tantas fases, tantos game overs, tanta preguiça e falta de vontade de recomeçar que olha, às vezes, eu prefiro me largar num sofá com pipoca a ter que recomeçar. É exaustivo ter que programar tudo, encontrar um rosto novo e contar, me construir, deixar que me descubram de novo e de novo e mais uma vez pra depois acabar em nada. É o jogo da sociabilidade amorosa, certo? Vira à direita e mais duas à frente que você me encontra perdida de novo. Fico me perguntando se você me pararia e me seguraria pelos ombros, pra me sacolejar e me dizer o que eu preciso ouvir. Que eu não preciso de carinho – agora - só de alguém (você) que me diga que já chega.

Diz pra mim que já chega de travar essas batalhas sozinha porque cansa. Cansa ter que convocar exército e botar o povo na rua pra fazer revolução amorosa. Cansa jogar com um console e ver mais um jogo indo pro buraco por falta de companhia compartilhada. Cansa dizer quem eu sou dezenas de vezes pra alguém que mal vai lembrar meu nome amanhã. Então vira a esquina e me deixa em casa. Me deixa na porta e insiste em entrar comigo. Insiste em não me deixar sozinha essa noite e jogar comigo, sem questionar meus vícios, pra abrandar essa guerra que tá na minha cabeça. Não me deixa cavar trincheira nenhuma dessa vez. Para na minha porta e desce do carro, do tanque de guerra, desse movimento que todo mundo faz de me deixar aqui e não voltar. Mostra pra mim que você decorou o caminho todo e que tem razão: eu não preciso mais brigar comigo pra deixar alguém entrar.





terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sobre pessoas que sabem o que é Amar



Que todo relacionamento é uma troca todo mundo já sabe. Não vou ficar aqui gastando meu português para adornar esse clichê. O que me interessa, diante dessa premissa, é o objeto da troca. É o que o outro tem para oferecer. É o escambo que vai muito além das doações imprescindíveis para que qualquer relacionamento prospere. É o teor da permuta. É a parcela mais genuína de si que o outro pretende doar para mim.

E preciso esclarecer que quando digo isso, definitivamente, não me refiro apenas a carinho, fidelidade, lealdade ou respeito, que no meu romântico, poético, mas nada utópico entendimento, são itens que não deveriam figurar no rol das qualidades, como lamentavelmente tem acontecido no embalo engasgado dessa maldita tendência de mediocrização das relações humanas, mas apenas dos simples e básicos pré-requisitos “standard” para qualquer pessoa que pretenda se relacionar.

A verdade é que relacionamento é coisa de gente altruísta. Gente egoísta não tem vez. Relacionamento é para os mão-aberta. Para os ouvido-aberto. Para os cabeça-aberta. Para os coração-aberto… E é por isso que eu gosto de gente que tem algo para doar. Gente que ama a própria vida. Gente que tem coisa nova a ensinar. Gente que tem história boa para contar. Gente que já aprendeu a se doar.

E não me venha com mixaria. Não quero meia-boca, meio-corpo, meio-copo, meia-alma. Quero tudo o que você sabe. Todos os novos sentimentos loucos, não poucos, que você pode proporcionar. Todas as coisas boas, não tolas, que esse relacionamento pode dar.

Eu amo fluidez. Amo a sonoridade da correnteza boa que leva a sujeira do rio velho embora. Amo a liquidez da vida reciclável, que naturalmente leva as coisas que não mais nos servem para que outros possam usar. E é por isso que alguns relacionamentos vão, algumas coisas vão, algumas pessoas vão. Tem que deixar ir para o novo chegar. O importante, nessa reflexão, é não deixar que as relações sejam em vão. O mais legal de toda relação é conviver com alguém que tenha alguma paixão. Qualquer paixão. Útil ou não.

Gente que tem uma paixão sabe que amor exige dedicação. Ponto pra eles, que já aprenderam essa lição. Mas o mais interessante é o legado dessas pessoas na relação. Gente que ama alguma coisa sempre tem algo a ensinar. Pode ser sobre futebol, gramática, religião, cinema mudo, polo aquático, literatura russa, estudos da física em mandarim, ''The Sims'', Comida boa, bandas com nomes estranhos como ''Ave Sangria'', cruzeiros transatlânticos, sudoku, viagens de baixo custo pelo leste europeu, zouk, música popular grega, motovelocidade, reality shows, fofocas sobre celebridades americanas, ou seja lá o que for. O essencial é que a pessoa tenha uma paixão.

Tenho pouquíssimas certezas na vida e uma delas é que o ser humano é movido a paixões. Por isso eu amo gente apaixonada. Aprendi que é muito melhor se relacionar com gente que conhece o combustível da própria vida. Gente que não vai sugar só o que é meu. Gente que tem uma herança para deixar. Gente que também tem algo a compartilhar. Gente que amando algo, já aprendeu como é amar.


domingo, 3 de novembro de 2013

Divagações aleatórias de uma noite chuvosa









Cá estou eu sozinho, mais uma vez, como costumava ser até meses atrás, só que pior. Domingo... Noite chuvosa... Solidão... O vento jogando a tristeza na minha janela... E aí surgem vários pensamentos... As perdas... Ah, como esse ano foi cheio de perdas... Daria pra escrever um livro, bem no estilo ‘’Mal do século’’, daqueles do Álvares de Azevedo. Eu poderia falar sobre Morte, Luto e Tristeza com tanta propriedade quanto ele...eu poderia falar da recente desilusão amorosa e as mentiras e pensamentos negativos que vêm juntos...sei lá...é tanta coisa, tantas linhas sobre a propriedade de não ter propriedade, que eu nem consigo concluir esse texto, pensamento solto e aleatório que o ‘’eu poético’’ quis escrever...








terça-feira, 29 de outubro de 2013

Fragmentos de um Amor que era doce e se acabou.









Sei que dá medo de recomeçar. E que abrir mão de você fará com que eu precise me reinventar. Sei que planejamos que iríamos juntos para Itália, para Austrália e até para Marte, mas, meu amor, saiba que precisarei ficar aqui, sem você, mesmo que ainda queira ir para outra parte. Vou sentir a sua ausência.
Talvez, para não relembrar os nossos melhores porres e o cenário das nossas piores ressacas, eu tenha até que mudar de bar – afinal, aquele boteco amarelo de esquina já foi quase o nosso doce lar. Além do mais, se eu sentar sem você naquela mesa bamba, o garçom, nosso velho amigo, certamente, por ingenuidade e não por indelicadeza, vai perguntar por você. E a minha resposta será nada mais do que o silêncio. Cisco no olho, aperto no coração, nó na garganta.
Provavelmente, mudarei também o caminho que faço para chegar ao trabalho, só para não passar na frente daquela sorveteria de que você tanto gosta. Só para não me lembrar das vezes em que não a avisei e a deixei, por pura diversão, com a pontinha do nariz suja de sorvete de pistache. Aquele nariz que se franze em incontáveis ruguinhas toda vez que você sorri com a alma, com tanta convicção que só a boca não dá conta. E por mais que o motivo do seu sorriso não seja eu, que você continue sorrindo. Com a alma.
Eu, certamente, não estarei presente na comemoração do próximo Natal e nem no brinde que marcará a chegada do Ano Novo, porque não quero mentir para minha família e, com voz fraca, dizer: “Ela não veio porque está doente”. E muito menos quero contar-lhes a verdade, para ter que suportar mil caras de velório me olhando com ares de piedade. Mas ainda assim, desejo que você tenha motivos de sobra para comemorar. E que se escapar aquela lágrima de canto de olho no segundo da virada, você a seque com convicção. E que só se deixe molhar por um banho de champanhe.



Quando você sair e finalmente apagar a luz, apagarei também tudo que existe dentro do meu Ipod. Trocarei nosso infinito estoque de rock por qualquer coisa que não me toque. Por qualquer coisa que nós nunca tenhamos tocado em algum tempo-espaço do passado. Pode até ser pagode, se quer saber. Chegou a hora de mudar o disco e perder a mania de discar, quase que como ato falho, seu número no meu celular. Preciso riscar você da minha agenda e apagar os seus riscos da minha pele. As camisetas que você me deu de presente? Que façam algum necessitado feliz. Não suportaria usá-las sem você para tirá-las com aquele ar de desespero. Mudarei o tempero, porque até o ketchup me lembra você. Talvez seja a hora de usar a mostarda e de exagerar na pimenta, só para disfarçar a amargura que restará no meu paladar quando você já não estiver aqui.
Para não me lembrar de você e das muitas noites que varamos tagarelando, mudarei do vinho para água. Porque vinho me remete às nossas noites dançantes. À vergonha que você sempre perdia após a segunda taça. À sua mania de girar o copo em movimentos circulares “só para analisar o teor alcoólico”. À mancha que você deixou no meu tapete. E no meu coração. Por isso, garçom, desce aquela água. Para um.

Texto adaptado de Ricardo Coiro, autor do livro ''Confissões de um Cafamântico''.


domingo, 6 de outubro de 2013

É AMOR.





Olha aqui, vai. Eu tô me embolando nas palavras, eu sei. Não porque eu sou confuso. Ok, eu sou confuso. Mas nem sempre. Não agora. Agora eu pareço mais lúcido que todos os profetas e juízes juntos, só não sei explicar tudo isso. Mas é porque amar é, ao mesmo tempo, ter um dicionário pra falar e não saber como. É como se meu cérebro desaprendesse qualquer idioma tolo. E eu fico aqui, gesticulando vírgulas que exigem a tua presença um pouco mais. E eu não sei se você sabe, mas se estivesse comigo, você seria mais feliz. Juro. Deu na TV, nos jornais, no tarot, no horóscopo, nas músicas e nos livros que ando lendo. 
Eu estou falando feito um doido, sem vírgulas ou pausas, inventando assuntos quaisquer porque estou morrendo de medo do silêncio oceânico que pode surgir e você desviar teus olhos dos meus, reparar na vizinhança, naquele moço de gravata cinza ou na senhorinha dando comida aos pombos, e, talvez, você reparando no moço de gravata cinza e na senhorinha dando comida aos pombos possa pensar que já não há mais nada a fazer aqui e decida ir embora porque não gosta de cinza, nem de pombos, nem de mim. Sei lá.



Você tá com fome? Eu tenho um par de lábios e um tanto de sonhos que podem te alimentar. Juro. Como faz aquele macarrão que você gosta? Eu posso aprender, também. Mas te amo. E amar, além de ser algo que me deixa mais confuso e nervoso, deve ser aprender a ser o mestre dos desejos do outro. Assim, só para te agradar, sabe? Isso é amor. Você sabe. Ou acho que sabe. Mas, de qualquer forma, gostaria que soubesse que eu te amo. É, amor. Com ou sem aqueles coraçõezinhos infantis da quarta série, com ou sem musiquinha bonitinha. É amor. Eu sei pelo cheiro de menta e pipoca que o poeta falou, eu sei pelos filmes que vi, eu sei porque eu sinto exatamente aquilo que eu li em tantos lugares...Eu sei porque eu sinto aquilo tudo que o Aurélio disse sobre a palavra ''amor'' naquele minidicionário dele. Eu sei porque eu quero viver com você, quero acordar do seu lado, quero construir uma vida com você. Eu sei porque eu nunca desejei tanto algo na minha vida, e nunca desejei tanto que algo desse certo assim como quero que isso dê...Eu sei porque é algo recíproco, e isso sim é amor...É amor, e ponto.
Entendeu alguma coisa? Não? Ok, perfeito assim. Se você entendesse, eu ficaria triste por ter conseguido explicar algo sem explicação. E é isso: dentro de mim, sentimentos são inexplicáveis, mas explicam todo o resto. Amor é um sem sentido sentir e dar sentido a tudo. E este ''tudo'', agora, é você. Juro.



sábado, 5 de outubro de 2013

Algumas garotas são maiores que outras





Eu não sabia esperar e por você eu esperei e teria esperado mais tempo. A verdade é que eu nunca tive certeza se você iria mesmo aparecer um dia. Algumas garotas passam por aqui antes. Antes de você. Duas ou três talvez até tenham chamado minha atenção e eu realmente teria ficado confortável com elas. A gente costuma ouvir  que idealizar estereótipos é errado, mas comigo foi inevitável: sempre soube o tipo de garota que eu estava procurando. Tipo você.
Você chegou e me fez maior, menina. Apagando qualquer dúvida que eu tinha de que esperar não valeria a pena, e me fazendo aprender a ter calma, tudo está em calma, deixe que o beijo dure, deixe que a alma, você canta pra mim e diz que quando as coisas são elas simplesmente são. Não tem melhor palavra que eu possa usar pra ilustrar o que é estar com você do que “certo”. Meu maior feito na vida foi ter passado um tempo contigo.
Você chegou e me fez melhor, menina.
Depois de um tempo eu aprendi a me acostumar com esse disparo que meu coração dá sempre que ouço sua voz, mas ainda acho estranho a dificuldade de desviar os olhos enquanto você fala. Uma vez cê me disse que ninguém nunca te olhou como eu olho, e a verdade é que eu nunca quis olhar pra alguém como quero olhar pra ti.
É engraçado, porque eu achava que estaria preparado pra tudo, pra terremoto e poesia, pra quando finalmente te encontrasse no meio de toda essa gente sem sal, mas você me ensinou que não tem plano e que o seu plano era desalinhar as coisas no meu quarto e em mim pra mostrar que amor é também desordem.
Foi você também quem mostrou que todos aqueles desencontros da vida e romances mal resolvidos que eu tive fizeram sentido. E não adianta achar que eu vou estar preparado pra isso quando vier, porque não vou. Você me apareceu assim, sem aviso e sem ensaio. De repente eu tava sorrindo e nem sabia por que, só conseguia rir mais ainda quando me perguntavam se era droga ou coisa do tipo. É, o amor é uma droga. Mas eu não me preocupo com isso.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sobre Perdas, Luto e Saudade.


   


  111 dias sem escrever uma linha se quer. Pra um escritor, isso é muito tempo sem escrever. É uma tortura, muito angustiante. Angustiante e difícil foi conseguir escrever esse texto. Mas nada é tão angustiante quanto a minha vida atual.
 O dia 13/06/2013 vai ficar marcado pra sempre como o pior dia da minha vida. Nesse dia, por volta das 22h30min, em um acidente de carro, eu perdi meu irmão e um primo muito próximo. Antes disso, eu escrevia sobre dores e perdas como se tivesse propriedade pra falar sobre, como se conhecesse isso de verdade, mas estava enganado. Hoje eu sei de verdade o que é dor e o que é saudade. Dor é ouvir um telefonema do seu pai dizendo que seu irmão e seu primo mais próximo morreram. Dor é ter que escolher a roupa que seus entes queridos vão usar no caixão, as roupas que vão com eles pra debaixo da terra, quando algumas horas antes você estava os vendo vivos e animados se arrumando pra irem festejar. Dor é não poder ter dito ''Adeus''. Dor eu senti quando vi o caixão com meu irmão dentro descendo sete palmos para baixo. Meu irmão, meu co-piloto, a pessoa com quem mais tive convivência em toda a minha vida. 



Dor eu senti quando acordei no dia seguinte e vi a cama vazia, não ouvi sua voz, suas brincadeiras. Dor eu senti quando vi que no banco de trás do carro dos meus pais havia um espaço sobrando, e que nunca mais será ocupado. Dor é lembrar de todo aquele dia que não me sai da cabeça, da última vez em que eu os vi. Dor é perceber que 90% das pessoas que eu achava que eram minhas amigas sumiram quando mais precisei e nunca mais apareceram. Dor é lembrar o quanto eu protegi meu irmão, quantas vezes dei a cara a tapa, literalmente, quantas vezes eu soquei quem tentou triscar um dedo nele, e como eu não pude o proteger no fim.


 Saudade é pensar em alguém 24h e saber que nunca mais vai encontrar esse alguém. Saudade é sentir corpo, mente e espírito gritarem de dor por querer ter de volta o que lhe foi tomado de maneira tão abrupta e definitiva. A saudade é a dor, a dor é saudade. E só o que resta é a esperança de um dia reencontrar quem já foi em outro mundo.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Carta para F



Minha querida F,



Estou tão cansado. Estou tão, tão cansado! Minha vida tem sido um amontoado de palavras, F. Quase não falo, mas escrevo tudo o que não escrevi durante toda a minha existência. E tenho refletido sobre esta relação obsessiva que o escritor tem com a palavra. Pois, apesar da minha profunda necessidade dela, sua aproximação é muito tímida às vezes, e fico com todos os meus sentimentos desamparados de frases. Apenas sentir, sentir, sentir demais me entorpece, instiga minha insanidade e provoca uma profusão de diálogos e monólogos absurdos dentro de mim. Será que alguém repensa a própria existência e vive este processo de mergulhos até perder o fôlego intencionando respirar, por um segundo que seja, na superfície das coisas?






F, eventualmente, tenho tido algumas crises de ausência e minhas tentativas de dizer coisas soam vãs, pois nada escuto ou vejo. Mas estou condicionado a estimular minha mente e eu não me dou este instante de paz. Tiro o meu coração da garganta e pergunto o que ele tem a me dizer. As pessoas não querem apenas minhas palavras, querem minha presença, e tenho estado tão indisponível para me relacionar com algo que não seja um texto. Dezenas de textos espalhados pela cama antes de dormir. Antes de tentar dormir.





Centenas de abas do Word abertas com frases desalinhavadas em cada uma delas. “Deseja salvar as alterações?" Sim...não...talvez...não sei...será?. Confuso, confuso como nunca estive. E tão povoado e só. Absurdamente só com todas estas pessoas que moram em mim. Com todas estas cores e paisagens e sensações e metáforas e músicas e aquele filme que nunca mais consegui parar de assistir porque demorei tanto para conseguir assisti-lo e eu estava tão entranhado naquele roteiro que fui meu espectador por quase 3 meses. Tive quase 3 meses de eternidade, F. E, agora, Roberto Carlos me dando um nó no peito. Uma vontade de chorar de cansaço... Roberto Carlos me diz “eu me vi tão só...” e eu entristeço mais e mais...mas acho que as pessoas ao meu redor não merecem minha confusão... '' e eu me vi tão só, enfrentando momentos difíceis de solidão...”, Roberto Carlos parece saber bem o que é isso. E, por enquanto, estou salvo. Reze por mim, F. (Eu precisava estar dormindo agora mas estou escrevendo para você).

Então, apenas me abrace em pensamento enquanto eu lamento.
Sinto sua falta, amor.







sexta-feira, 7 de junho de 2013

Feito tatuagem.


No dia em que você chegou eu não botei o lixo pra fora, não varri nada pra baixo do tapete e nem escondi as fotos feias. Não fechei o laptop com todas as abas abertas, não sumi com a pilha de louça na cozinha nem com as minhas camisas separadas por cor. A minha parte feia tava confortável com você e tirou a vassoura de trás da porta, foi gentil e nem se incomodou com o que você ia achar da minha bagunça. ''Quer um café ou vai ficar aqui mesmo se eu disser que eu não sei se tem açúcar? Juro ser doce de qualquer jeito''. Eu te fiz sala enquanto a gente redecorava as paredes sem saber, pintando umas histórias que não sairiam nunca mais dali, do silêncio de uma avenida movimentada, da pressa de uma estátua de mesa, do som alto dos nossos pensamentos compartilhados entre algumas paredes.


Não fez frio nesse dia. O aquecedor tinha dado problemas e você me fez segunda pele pra aquecer os pés. Teve luz acesa e não teve vergonha nenhuma ou medo de rejeição. A gente viu o traço, a silhueta, a dobra dos joelhos, o cabelo desarrumado, as cenas improvisadas, nada posadas de uns retratos que eram quem a gente era mesmo. E nesse dia eu me senti bonito, você se sentiu bonita e era do jeito que tinha que ser. Não li mais livro e não marquei página pra não querer voltar atrás, tirei o telefone do gancho e nem percebi, mas já tava offline desde que você chegou. Eu não usei o carro naquele dia já que não queria poluir o mundo. Não queria acelerar a perda daquilo tudo, não queria deixar escapar pelas mãos a sensação que queimava a garganta pés panturrilhas palma da mão e me fazia suar quando os graus eram negativos. Revisitei as minhas gavetas e vesti uma roupa de ginástica velha que tinha cheiro de mofo só pra correr por aí e sentir que eu ainda tinha músculos, articulações, cãibras, tendões, movimentos. Descobri que em casa eu falo alto e que os vizinhos ficam preocupados quando eu fico em silêncio. Fiquei encarando você e todas as veias e poros e pele do seu rosto de perto e vendo tudo humano como a gente era. No dia em que você chegou eu passei uma meia hora olhando e tocando nos seus braços e repuxando a carne e falando palavras feias, longas, difíceis, enroladas, gaguejando que até ficou bonito pra contar depois sobre o riso que você deu porque eu não acreditava que tu era real.


Abracei como nunca abraçava. Beijei como nunca tinha beijado. Chorei como se tivesse perdido a vergonha do mundo e deixei eles me verem assim, com o nariz escorrendo, os olhos escorrendo, a boca escorrendo, toda essa felicidade escorrendo de dentro de mim e me banhando, e você ali num riso que nem ligava pra toda essa coisa feia que eu tava te mostrando. Sonhei como nunca tinha sonhado, sem travesseiro, sem cama, sem sono nenhum porque não dava tempo de dormir e eu tinha receio de acordar e perceber que era o efeito dos remédios que eu andava tomando ou das noites mal dormidas por causa da universidade. Amei como nunca tinha amado e não podia deixar aquilo sair de mim porque me deixava sem fôlego, exausto, com a sensação de que tudo podia cair a qualquer hora e você ali com um riso que me causava arrepios e uma dorzinha gostosa na barriga . E você me abraçava abraçando, me beijava beijando, jurava ficar, e foi ficando. No dia em que você chegou, chegou e ficou impregnada na cortina, nas paredes, na decoração, no quarto, na pilha de louça suja da cozinha, nos remédios, nas camisas arrumadas pela cor, Em mim. Chegou e ficou grudada, marcada, colada, fechada na pele pra sempre feito tatuagem.

sábado, 1 de junho de 2013

Sobre a vida sem você



Hoje, no trem voltando de Londres, me dei conta de que alcançamos o maior tempo sem trocar uma palavra um com o outro desde que nos aproximamos. Tem sido complicado pra mim, sabe? Antes era só a falta física de você. Sabíamos que não ia ser fácil ter um oceano de distância entre a gente, mas pelo menos eu sabia você estava aí, do outro lado da linha. Agora está tudo meio fora de lugar.
Minha vida sem você tem estado estranha. Imaginei que ela fosse voltar pro que era antes de você dobrar a esquina do meu átrio direito e se instalar ali: dias normais com garotas sem graça, mas não. Eu cresci tanto com você que não consigo mais voltar ao tamanho que tinha antes. É como se eu estivesse fora do lugar, sabe? Sem você eu sinto que não me encaixo mais na minha própria vida.
Sem você aí do outro lado eu só tenho as fotos e os registros das conversas que tivemos pra lembrar dos dias bons. Sem você, acho, eu tenho ido bem. Quer dizer, ninguém morreu, além da minha visão sonhadora de mundo. O problema são as noites. As madrugadas, na verdade. É, as madrugadas têm sido difíceis, não tenho bem a certeza do porquê…Talvez porque fosse a hora que nos falávamos mais, ou porque seja a hora em que a gente deita a cabeça no travesseiro e a saudade aperta o coração. Às vezes chega a doer.
Tem feito mais frio do que deveria fazer em junho. Outro dia até nevou, você acredita? Os dias sem você têm sido sempre negativos e em preto e branco e por mais que eu use cachecóis e luvas, falta o castanho forte dos seus olhos aqui pra esquentar as coisas. Tenho bebido mais desde que você ficou pra trás também. Aqui no meu quarto tem uma vazia de merlot, um sauvignon, um carmenere e um shiraz, daqueles que voce disse que gostava, lembra? Não tinha bebido essa uva antes de você. Na verdade, não conhecia muitas coisas antes de você. Saber que eu fico bem de barba, o que é uma pirueta de ballet, descobrir meu gosto por carros esporte e o nome daquela coisinha na unha que eu gosto que você faça foram umas delas. Ser plenamente feliz também foi uma coisa que eu descobri com você.
Sem você tem sido difícil me adaptar com as coisas, me acostumar. Outro dia quase chamei uma inglesa aqui pra sair. Quase, porque aí eu percebi que ela não tinha seu sorriso, nem seus olhos, nem seu cabelo. Nem suas pernas, nem seus lábios, nem seu cheiro. Aposto que ela não sabe beijar do jeito que você beija. Sem você as outras meninas perderam a graça.  Desde que você foi embora da minha vida, foi embora meu norte também. Tem dias que eu me perco no caminho do pub pro flat. Todos aqueles planos e as verdades absolutas que eu sempre tive também foram depois que você foi embora. Não tem mais poesia, só prosa. Como essa aqui.
Tenho ido bem sem você, tirando o fato de que sem a sua boca meus lábios racham de frio ou que sem seu sorriso tá tudo mais nublado na minha vida. Sim, eu tenho ido bem sem você. Até aprendi a mentir.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Sobre a pessoa mais bonita do mundo


Eu queria a pessoa mais bonita do mundo. Queria porque queria. Porque me interessava, porque me atraía, porque tinha o sorriso mais bonito e bem espaçado que eu já tinha visto. Porque era o meu tipo perfeito na combinação de tom de pele com a cor do cabelo. Tinha a altura média ideal e parecia ser tão simpática e bonita quanto as pinturas mentais que eu faria da pessoa perfeita. Eu queria porque queria e todo o mundo mais queria. Mas em todo fim do dia, depois de passar horas vendo fotos e vendo o que a pessoa mais bonita do mundo dizia, eu chegava à conclusão de que era areia demais pro meu caminhãozinho. Até que um dia eu topei com a pessoa mais bonita do mundo.
Topei, escorreguei, quase caí e nunca me vi tão destrambelhado como nesse dia. Ela riu, me ajudou a sustentar os dois pés como base e ainda me chamou lá pra fora da festa, pra aproveitar o ar da varanda. E foi aí que eu a tive pra mim. Nuns poucos minutos de embriaguez e oportunidade, eu tive a pessoa mais bonita do mundo. Numas horas restantes de festa, eu tive a companhia dela. E foi frustrante. A pessoa mais bonita do mundo, aquela que todo mundo queria, que parecia ser o sonho de muita gente – e o meu tipo perfeito – não era nada demais. Nada demais. Era como o eco da confusão que gritava na minha cabeça. O beijo era morno, as mãos eram soltas, o abraço não combinava, os olhos se desviavam pra não encarar a falta de cumplicidade e admito que nem chegou perto daquele frio na barriga que a gente sente quando encontra alguém que tem potencial pra mexer com a gente. Frustração porque a expectativa tava tão alta e desabou com aquele encontro kamikaze. Porque eu suava pelas mãos e o meu corpo não reconheceu o dela, o nervosismo foi meio que em vão e eu passei o dia seguinte inteiro pensando sobre a verdade da situação: a pessoa mais bonita do mundo não era pra mim.
O que seria pra mim então? Essa minha busca por ela tinha me transformado num projeto de psicopata por algumas semanas. Longas sessões de stalking e de insegurança à flor da pele, a rever todos os meus conceitos de auto-imagem e de percepção sobre o tipo de interesse que eu poderia causar nela, até chegar ao pensamento clássico de que era demais pra mim. Mas deixa eu contar uma coisa pra você: tipos perfeitos não existem. E foi isso que eu percebi quando eu estive com a pessoa mais bonita do mundo. Que a gente monta um modelo de pessoa perfeita pra gente, desde a parte superficial aos mínimos detalhes de leitura e gosto musical – tem gente que até pensa no vestuário e coisas do tipo – e a gente acha que se apaixonaria fácil por alguém assim. Não só nos apaixonaríamos como também teríamos um lindo relacionamento nessa equação perfeita. Até que a gente se lembra de incluir a necessidade de química, a compatibilidade de gostos e assuntos dentro do nosso universo e fora dele, o timing e os objetivos de vida – além da visão de mundo dos dois e muito mais. Ah, quando a gente monta a equação inteira, a gente percebe variáveis que saem do nosso controle e que não podem ser supostas apenas pela aparência, pelo sorriso e pela forma com que o outro parece interessante. A pessoa mais bonita do mundo era interessante, mas não pra mim. Fazia exatamente a minha ideia de tipo perfeito, mas não era meu tipo real. E a frustração foi fruto dessa expectativa boba e mal desenhada que eu tive – e aposto que você também deve ter em relação a alguém. Nossos tipos perfeitos foram feitos pra sonhos, literaturas, preenchimento de ego e afins. O importante mesmo é o tipo real que pode passar bem longe do que a gente espera que seja.
Depois daquela noite, eu fui indagado pelos amigos sobre o porquê de não ter entrado mais em contato com a pessoa mais bonita do mundo. Do nada, a minha pequena obsessão se desfez e eu deixei de achar tanta graça assim nela. Talvez eu também não tenha sido nada demais pra ela e essas coisas acontecem. Meus amigos não entendem, mas a verdade é que agora eu tenho uma nova perspectiva do tipo de pessoa que eu quero. Eu quero alguém real, uma boa pessoa que entre na equação e que, talvez, nem complete todas as variáveis, mas que me faça sentir a pessoa mais especial do mundo. Que mexa comigo como os meus tipos perfeitos mexem em sonho, mas de verdade, de carne e osso, pra causar frio na barriga e arrepio. Alguém que pode ser o completo oposto do que a gente espera pra se apaixonar – e mesmo assim consegue fazer com que a gente se apaixone. Eu agora quero tipos reais. Deixo os tipos perfeitos pras capas de revista e pros meus personagens preferidos de filmes, deixo pro ego satisfeito e pras noites de sono. Acordar mesmo, eu quero que seja ao lado de uma boa pessoa real.


Sobre as Lembranças






As lembranças são armadilhas suaves que nos pegam pelas pernas e nos enlaçam. Dão cama, casa e comida enquanto a gente acha que reconstrói tudo aos poucos – sem saber que tudo aquilo vai desmoronar num piscar de olhos. Subtraem enquanto a gente acha que soma. E somem num instante. Deixam a gente em pó suspenso no ar. Embaçam os óculos e atrapalham a respiração. Lembranças são a marcha ré disparada sem querer no meio do engarrafamento. E a gente bate com tudo no que deveria nem encostar. Embaçam a vista e a vida. E se fazem de dissimuladas: o que era ruim desaparece e o que nem era tão bom assim ganha um peso de sobrecarga. Um sorriso de lado vira a coisa mais bonita que a gente já viu. E as histórias de corações partidos são substituídas por mal-entendidos irreais. As lembranças se misturam e se chocam. Servem de travesseiro pras noites mal dormidas. E acabam recriando cafunés que nunca existiram.
Lembranças são o resto da memória que ainda vive. Se escondem nos ralos e nos cantos escuros do corredor da casa. Se disfarçam de porta-retratos e roupas guardadas. É nelas que a gente revive o que a gente foi – e o que nunca foi também. Elas não são feitas de deixar de ser. Elas são, e nos cutucam na ferida aberta a cada novo momento. Sem alarme de incêndio pra avisar do fogo. São queimaduras de segundo grau que a gente ganha pela exposição prolongada ao passado. E nos transportam para o ponto final do início de tudo. O fim de alguma história se torna ponto de partida – e mal sabemos nós que estamos presos a um ciclo vicioso de repetições. Tanto das lembranças quanto das ações. E os fins entortam os meios. E a gente parece não lembrar direito o que aconteceu. Só se lembra de que acabou. Ou que nem chegou a existir.
Elas são de uso exclusivo aos que possuem corações fortes. São prescritas de forma a seguir uma bula de nostalgia e sofreguidão. É como colocar um doce na boca de uma criança e tirá-lo depois. Só que as crianças somos nós. E daí nos prescrevem tarjas-pretas. Lembranças podem nos levar à loucura, de fato. Mas eu espero que a nossa loucura possa ser perdoada. Porque a gente ainda não descobriu como se desfazer do doce vício de relembrar antigos diálogos e fotografias.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Quadrilha da vida


“João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém”. Pode ser que o seu nome não seja João, nem Teresa, nem Raimundo, nem Maria, nem Joaquim e nem Lili. Mas, provavelmente, você já foi personagem de uma história como essa. Assim como João, você já pensou em Teresa antes de dormir. Assim como Teresa, você já derramou algumas lágrimas por Raimundo. Assim como Maria, você já quis saber o que Lili tinha e você não. Assim como Joaquim, você já homenageou Lili no banho. E assim como Lili, você já esteve livre e desimpedida antes de se apaixonar por mais um João. Em suma, como todo bom ser humano, você já ficou sem par na quadrilha da vida em pelo menos uma festa junina desse mundo de encontros e desencontros.
Em sete singelos versos, Carlos Drummond de Andrade, em ''Quadrilha'', conseguiu eternizar da maneira mais simples possível a mais genuína fonte de satisfação e sofrimento desde os tempos mais remotos – essa dor que se chama ''amor''. Satisfação porque, por mais que Teresa não corresponda ao amor de João, saber que é desejada – se não trouxer uma felicidade momentânea – pelo menos infla o ego. Mesmo ego a quem o desamor de Raimundo tanto maltrata – e daí vem o sofrimento. Recuso-me a continuar explicando o amor e peço desculpas já de antemão pelo quão patético isso possa ter soado. Embora indecifrável, o amor é inerente ao homem. Explicar o amor a um homem é tão desnecessário quanto apresentar a respiração subaquática a um peixe. O amor não precisa de explicação. Mais do que isso, o amor não merece explicação. Merece apenas que abramos os braços ou viremos as costas. E aí, meus caros, depende de nós.
Por mais que Hollywood tenha o ensinado que não se escolhe quem se ama – e que você tenha acreditado porque isso soou extremamente bonito e comovente aos seus ouvidos - eu ponho as minhas dúvidas sobre as suas certezas. Um: você só se deixa encantar por alguém se se permite. Dois: você só se permite porque está ciente de todos os alentos e desalentos que isso pode trazer-lhe mais pra frente. Três: você só se envolve quando enxerga que há uma mínima possibilidade de sucesso. Quatro: sucesso não significa necessariamente casar e constituir família. E cinco: não, o que você sente pelo Robert Pattinson não é amor.
Quem me vê falando assim, com tanta propriedade, tem a mais absoluta certeza de que eu nunca derramei uma lágrima por uma mulher que fosse. Seria realmente maravilhoso se não fosse mentira – afinal, se tem uma coisa que eu tenho mais do que todos vocês, além de me foder, é dedo podre amparado por uma (In)consciência levemente masoquista. Sim, a conclusão que tiro de tudo isso é que, assim como eu, todo ser humano tem um pouco de masoquista. E de sádico também, porque, como componentes de um bom par complementar, o masô não existe sem o sádico. Na quadrilha, enquanto o sanfoneiro toca, Maria satisfaz seu masoquismo com Joaquim, que exerce seu sadismo sobre ela. E assim a tal da quadrilha da vida vai se consumando. Olha a cobra! É mentira! Olha a chuva! Já passou! Olha a decepção! Provavelmente está à sua espera na próxima esquina. Olha os amores imperfeitos! Esses não passam. Jamais passarão.

sábado, 25 de maio de 2013

Sobre o melhor amor que já tive


Você me pega pela nuca e me arrasta por cada parte do seu corpo com força e precisão. Quase me arranha com a minha própria barba usando a fricção da pele pra desenhar os nossos sinais na barriga, seios, pernas, coxas e tudo mais. Me faz pagar a língua quando eu enceno algum teatrinho dramático pra não deixar você levantar da cama: você fica se quiser e ainda diz que poderia ter levantado enquanto aproveitava a minha distração. Conto as suas pintas uma por uma com cuidado pra você não perceber a minha obsessão em calcular cada milímetro do teu corpo. Tento aproveitar que agora é tarde e daqui a pouco amanhece, você vai embora e se cria um abismo que envolve tempo e espaço entre o toque da campainha e o nosso toque de novo.
Eu tenho pressa de você e a minha ansiedade não pode ser controlada por diagnóstico nenhum. Me liga pra desafinar essa saudade com o teu tom rouco, pra melhorar o meu dia, pra me fazer dirigir com pouca atenção e ser xingado no meio do trânsito turbulento dessa cidade, me liga pra desacelerar o meu pensamento e a minha prosa que vai. Se perdendo. E não se conclui. E fica solta por aí com. Muitos pontos e fala mais um pouco que eu quero ouvir tua voz de novo, vai.
Me lembra como é bom desacreditar e ser pego de surpresa com alguma coisa boba rondando a cabeça que até os meus amigos perguntam – mas já sabem que vem de você. Já sabem que eu misturo o teu cheiro, as tuas roupas, a sua preferência por cachorros e bebês que me deixam de lado nos shoppings, cinemas, peças, parques, encontros, os filminhos água com açúcar que você adora ver escondida e faço uma bagunça danada dentro de mim. Engraçado que a gente tinha tudo pra se repelir porque você não é nem meu oposto, nem se parece comigo, nem sei dizer mesmo como é que um esbarrão podia ter sido a coisa mais doce da minha vida quando eu nem ao menos tinha provado o teu gosto.
Faz parecer que as vinte e quatro horas do meu dia passam  devagarinho e não tem botão pra avançar em você como eu bem queria fazer agora. Deixo o trabalho e parece que eu tenho sempre quinze anos de idade de novo porque você me aflige, me ataca, me espreme e tira mais de mim do que muito psicanalista com doutorado e me causa uma taquicardia que a minha boca fica seca, eu me descontrolo – mesmo que só na minha cabeça – mas não repara, tá? Repara no que você me faz de bom e de como a vida ficou boa quando você quis ficar por aqui, passeando, me fazendo sala, jogando baralho, xadrez, dominó ou dormindo em cima de mim. Repara que eu estampo na cara o que o seu uso prolongado pode causar de efeito colateral – pra bem e pra mal – e as reações adversas que me causam o excesso e a abstinência de você. Repara que pra você eu me separo em partes, das que você precisa conhecer às que a gente pode ignorar um pouco agora, e sempre te apresento o melhor de mim, servido na bandeja com um Martini e azeitona. Repara que você é o melhor amor que eu já tive e que me tem nos detalhes, nos fiapos desfiados das camisas de lã no frio, na mão suja de carvão do churrasco de domingo, nas notas fiscais guardadas e organizadas nas pastas pra me lembrar do presente do dia dos namorados que eu ainda não comprei. Repara que você me enamora e me encanta como nunca alguém me encantou nessa vida. Repara que você nem sequer existe de verdade.