O nosso trato tinha sido o fim. Exatamente assim: com direito apenas a um ponto final. Assisti pelo canto dos olhos você catar todas as tuas vírgulas, que estavam ali há tanto tempo dando sentido a uma história. Engoli minhas exclamações. Eu havia perdido o controle do enredo, e agora ele te empurrava pela porta da frente para nunca mais voltar. Quando teus passos viraram a esquina, senti uma lágrima quente escorrendo pelo canto da boca. Tinha gosto de reticências.
O nosso trato tinha sido mesmo o fim? Então diz pra mim: o que o teu sorriso está fazendo dentro da minha gaveta, descansando entre uma meia e uma gravata? Ninguém me avisou que no fim havia tantas metades. E agora, o que faço com os teus pedaços espalhados pela bagunça que a vida ficou? Tua respiração pesada ainda sopra hálito de creme dental de hortelã em meu pescoço toda noite. O a cor dos teus olhos me encurrala em cada aresta da casa. Qualquer perfume que cruza por mim na rua tem o teu cheiro. Quanto tempo demora o fim pra acabar?
Se você souber a resposta, por favor, não recorre àquele franzir de testa que me faz sentir o quanto sou estúpido. É que, pra ser sincero, eu achei que aquela conversa de “não dá mais” era tudo o que bastava...ela devia ter apagado da minha memória o teu riso frouxo enquanto me olhava absorto... Devia ter me feito esquecer como o teu corpo tem sabor de estar em casa, e eu nunca mais saberia o som da sua voz ou o cheiro do seu travesseiro e a travessura exata que conta a história de cada cicatriz que você herdou da infância. No fim, não era pra eu conseguir lembrar a posição da tua escova de dente na prateleira, ou dos teus neologismos em meu vocabulário.
O nosso trato tinha sido mesmo o fim. Mas enfim… não dizem que é depois dele que surge um novo começo? Esquece a coerência, escuta o coração. Se ele ainda bater no mesmo compasso, então muda o teu passo e vem bater no meu endereço. Não aprendi a dançar, mas ainda sei fazer rima. E lembro exatamente a receita que você gosta: vou combinar açúcar e canela e falar mesóclises ao seu ouvido. Não se preocupe, não vou esperar resposta. Quero apenas que você tire o caderno das minhas mãos antes de eu terminar a última estrofe, me abrace forte e me arranque um beijo. Acelera a minha respiração, faz eu me perder no teu labirinto de poros e pelos. Não, não me deixa terminar. Antes, me entrega teus arrepios, saliva e suor. Me cega para o que difere o tesão da coesão. Me fere, carrega pedaços de mim em tuas unhas e me faz esquecer as outras dores. Não espere: venha buscar o último verso em meus lábios e suga-lo do íntimo da minha alma – você conhece o caminho à beça. Não tenha calma. Minha poesia e meu coração têm pressa.
Adaptação/paráfrase do texto "Quanto tempo leva pra esquecer alguém", de Sâmia Louise, publicado em: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/11/12/quanto-tempo-leva-pra-esquecer-alguem/