domingo, 23 de fevereiro de 2014

Cuida de mim





Você não entende, mas eu peço abrigo. Um abrigo bem claro, bem na minha frente, que dissipe frio ou incômodo qualquer. Não entende e me olha como se passasse por mim na rua, como se a vista do horizonte fosse maior que eu, como se eu fosse uma alegoria trançada num adorno qualquer. Eu não peço esmola, eu peço abrigo afetivo de verdade. Queria mesmo é que você parasse pra perguntar como foi o meu dia. Foi bom, tô bem, eu digo. Bom e bem são sinônimos de toda crise interna que a gente não consegue afugentar, não acha?
Eu teria curiosidade em te conhecer abertamente. Te levaria prum quarto parado numa estrada qualquer pra te devorar. Ouviria as suas histórias e te pintaria nos meus escritos. Esboçaria um pouco dos teus olhos e das olheiras, que é pra te dar um ar humano, e reconheceria suas falhas no papel. Me pinta em aquarela pra me dar vida? Me tira daquele meu apartamento monótono que só faz de mim prisioneiro de alguma coisa apática, de uma vida que eu jurei pra mim mesmo que nunca viveria antes de guardar meus sonhos no baú e sair por aí vivendo o que a gente chama de vida. Tô bem, foi bom, digo quando o telefone toca. E na minha voz fica a marca dos trilhos rangendo, do peito rasgando, da carne se consumindo por dentro.
Bem e bom são sinônimos de um apocalipse pessoal.
Você não me conhece, mas eu suponho que poderíamos ser amantes. Ou amadores. Sempre achei que todo amante tivesse algo de amador e por isso as derrapadas pelo caminho. Poderíamos também ser amigos e você me contaria da tua vida com frequência pra me arrancar da realidade? Eu te mandaria postais e a gente viveria nessa espera ansiosa de receber respostas. Promete pra mim que me escreve? Descreve, me escreve no papel, me rabisca um pouco pra eu sentir que não sou imaginado no mundo. Que eu existo e tenho uma âncora feito você pra botar meu pé no chão.
Eu te confesso que tenho um porão escondido dentro de mim. Vez ou outra eu revisito pra checar se a umidade já corroeu as vigas, as dobras das portas, as frestas do assoalho. Na maioria das vezes eu espirro por conta da alergia e não tem ninguém ali me oferecer um lenço. Tudo bem, sou precavido, tenho levado o meu há anos a fio quando aprendi que a gente tem que se embalar na gente senão a coisa toda despenca. Mas olha, eu faria do meu escuro um lugar bonito pra você me visitar. Limpo tudo e deixo as coisas boas em cima dos móveis e um porta-retrato de nós dois. Não precisa vir hoje ou nem amanhã. Só vem um dia e me tira dessa cidade perdida, dessa confusão que implica em me deixar com dois cigarros na rua e uns pensamentos que cortam, me tira desse conformismo absurdo e me afunda. Me afoga, me enforca, me joga do alto de um edíficio, mas não me deixa viver essa coisa que não me deixa ver todas as coisas boas que os seus olhos castanhos contam.
Só vem um dia, larga as malas na porta, bota o pé pra dentro de casa e cuida de mim.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Diz que ama ser solteira, mas chora sozinha de noite querendo um amor de verdade



 Não se fazem mais relacionamentos como antigamente: nisso a minha querida vozinha tem toda a razão. Temos mais companheiros de bar do que amigos, mais fotos com filtros bacanas no Instagram do que momentos verdadeiramente especiais, e mais sexo casual do que relacionamento sincero. Até aí tudo bem. Tem muitas coisas nessa geração que, convenhamos, não caem nada mal.
O que chama atenção nisso tudo é a necessidade que a maioria dessas pessoas tem de se auto afirmar independentes e desapegados.  A facilidade com que se nega os sentimentos verdadeiros soa falsa na medida em que essas mesmas pessoas se revelam cada vez mais carentes.
Lamentavelmente, parece que não estamos lidando com uma geração de solteiros felizes,  satisfeitos com suas fotos de garrafas de vodka na internet. Não se trata de pessoas que não se importam com a ligação (ou falta de) do dia seguinte. Todo mundo parece livre, feliz e bem relacionado. No termo imortalizado por essa geração: parecem desapegados. Mas não são.
A moça que posta foto “no barzinho com as lindas” é a mesma que liga pro ex depois de algumas doses. O moço que diz que nunca vai “usar as algemas” é – muitas vezes –  o mesmo que espera uma mulher bacana com quem possa ter dois filhos e um cachorro numa casa grande. Isso não significa que todo mundo sonha em se casar (até por que relacionamentos sinceros não necessariamente precisam ser provenientes de casamento), mas o fato é que todo mundo precisa de amor.
Beber vodka é bom; Sair com as amigas é bom; Carnaval solteiro é bom (e bota bom nisso) – mas todo mundo precisa de um pouco de apego. Todo mundo precisa de amigos que liguem na segunda-feira, de companheiros com quem contar depois que a farra termina.
Somos, na verdade, tão cobrados pela perfeição, que sentimos uma necessidade quase irracional de demonstrar que nos bastamos. Que somos fortes e coisa e tal. Mas a grande verdade é que a geração do desapego não consegue se valer. Ela vai se escorando nas garrafas de vodka, se arrastando pelas baladas da vida com o coração vazio e um incômodo triste causado pela ditadura da independência (por mais paradoxal que isso pareça).
É uma geração vitimada por regras cruéis que a modernidade extrema nos trouxe – por que nada pode ser mais cruel do que uma regra que diz que é proibido amar. É proibido se importar, sob pena de sermos massacrados pelo desapego alheio. A tristeza nisso tudo é que essa geração perde a melhor coisa da vida que é amar de verdade. Entregar-se, sentir, arriscar-se a levar um pé  na bunda ou uma queda feia. Em outras palavras: Apegar-se.



Por Nathalie Macedo em: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/02/05/a-verdade-sobre-a-geracao-do-desapego/


sábado, 1 de fevereiro de 2014

Eu escolhi você





Eu escolhi você por causa do seu sorriso assumido de canto. De um jeitinho sacana de quem sabe (sabe?) que nasceu para ser livre, leve, solta e filha da puta. Foi por causa desse seu ar afirmando que consegue o homem que quiser. Mas, principalmente, pelos seus abraços apertados de quem diz que eu sou um paradoxo sentimental: seu tudo e também nada. Que eu tô aqui agora, mas não preciso estar aqui pra sempre. Que no fundo você me ama, mas, da boca pra fora, não tem sentimento nenhum por mim.
Foram as discussões baratas que me dão vontade de te matar. Ser passional ainda é crime? As briguinhas por um ciúme besta que você nunca assume. E as vezes que você discorda só porque adora me ver irritado. Foi por causa dos pratos quebrados, das roupas que eu joguei pela janela e das noites em que eu disse para você nunca mais voltar. Mas voltei, não foi? Foi também pelos dias que você não voltou, pelos beijos que você não deu e, além de tudo, pelas declarações silenciosas que emite em gestos, quando não grita amor, mas ama.
E foi pelo seu jeito de cuidar. De me cuidar. De perto, de longe, com os braços ao meu redor ou só com os olhos. Eu nunca precisei de ninguém, mas de alguma forma eu me vi precisando do seu cuidado. E você me ganhou ali, quando viu a minha parte não-tão-segura-assim escondida por trás de paredes que aprendi a construir nas telas, talvez por falta de cor, talvez por falta de aquarela. Pena que me fiz em uma redoma de vidro que você quebrou.


Eles disseram que nunca daria certo. E foi um pouco por isso também. Porque eu sou teimoso, marrento e quero sempre mostrar para o mundo que eu luto pelo o que eu quero. E eu lutei por você, a princesa desencantada, que nem chegava a ser sapo, que, segundo eles, só tinha defeitos. Eu lutei por você enquanto você lutava com todas as forças para fingir que não me queria. Pra não demonstrar que, escondida, você estava ali me escolhendo também.
Foi porque você me desarmou (e me deixou te desarmar por completo). E nós dois ficamos desnudos e de peito aberto para o que a gente resolveu viver. Assim, contra tudo e contra todos – até contra nossos nós e nossas personalidades que não sobreviveriam no Coliseu.
Foi, principalmente, porque você não fez questão. Não gritou que me amava e, por isso, sem querer, derrubou os obstáculos. Me quebrou inteirinho para, depois, me reconstruir encaixando com você. E aí, parou de lutar e me deixou te fazer só minha.
Entendeu? Foi por isso.
Foi por isso que eu escolhi você.