quinta-feira, 13 de junho de 2013

Carta para F



Minha querida F,



Estou tão cansado. Estou tão, tão cansado! Minha vida tem sido um amontoado de palavras, F. Quase não falo, mas escrevo tudo o que não escrevi durante toda a minha existência. E tenho refletido sobre esta relação obsessiva que o escritor tem com a palavra. Pois, apesar da minha profunda necessidade dela, sua aproximação é muito tímida às vezes, e fico com todos os meus sentimentos desamparados de frases. Apenas sentir, sentir, sentir demais me entorpece, instiga minha insanidade e provoca uma profusão de diálogos e monólogos absurdos dentro de mim. Será que alguém repensa a própria existência e vive este processo de mergulhos até perder o fôlego intencionando respirar, por um segundo que seja, na superfície das coisas?






F, eventualmente, tenho tido algumas crises de ausência e minhas tentativas de dizer coisas soam vãs, pois nada escuto ou vejo. Mas estou condicionado a estimular minha mente e eu não me dou este instante de paz. Tiro o meu coração da garganta e pergunto o que ele tem a me dizer. As pessoas não querem apenas minhas palavras, querem minha presença, e tenho estado tão indisponível para me relacionar com algo que não seja um texto. Dezenas de textos espalhados pela cama antes de dormir. Antes de tentar dormir.





Centenas de abas do Word abertas com frases desalinhavadas em cada uma delas. “Deseja salvar as alterações?" Sim...não...talvez...não sei...será?. Confuso, confuso como nunca estive. E tão povoado e só. Absurdamente só com todas estas pessoas que moram em mim. Com todas estas cores e paisagens e sensações e metáforas e músicas e aquele filme que nunca mais consegui parar de assistir porque demorei tanto para conseguir assisti-lo e eu estava tão entranhado naquele roteiro que fui meu espectador por quase 3 meses. Tive quase 3 meses de eternidade, F. E, agora, Roberto Carlos me dando um nó no peito. Uma vontade de chorar de cansaço... Roberto Carlos me diz “eu me vi tão só...” e eu entristeço mais e mais...mas acho que as pessoas ao meu redor não merecem minha confusão... '' e eu me vi tão só, enfrentando momentos difíceis de solidão...”, Roberto Carlos parece saber bem o que é isso. E, por enquanto, estou salvo. Reze por mim, F. (Eu precisava estar dormindo agora mas estou escrevendo para você).

Então, apenas me abrace em pensamento enquanto eu lamento.
Sinto sua falta, amor.







sexta-feira, 7 de junho de 2013

Feito tatuagem.


No dia em que você chegou eu não botei o lixo pra fora, não varri nada pra baixo do tapete e nem escondi as fotos feias. Não fechei o laptop com todas as abas abertas, não sumi com a pilha de louça na cozinha nem com as minhas camisas separadas por cor. A minha parte feia tava confortável com você e tirou a vassoura de trás da porta, foi gentil e nem se incomodou com o que você ia achar da minha bagunça. ''Quer um café ou vai ficar aqui mesmo se eu disser que eu não sei se tem açúcar? Juro ser doce de qualquer jeito''. Eu te fiz sala enquanto a gente redecorava as paredes sem saber, pintando umas histórias que não sairiam nunca mais dali, do silêncio de uma avenida movimentada, da pressa de uma estátua de mesa, do som alto dos nossos pensamentos compartilhados entre algumas paredes.


Não fez frio nesse dia. O aquecedor tinha dado problemas e você me fez segunda pele pra aquecer os pés. Teve luz acesa e não teve vergonha nenhuma ou medo de rejeição. A gente viu o traço, a silhueta, a dobra dos joelhos, o cabelo desarrumado, as cenas improvisadas, nada posadas de uns retratos que eram quem a gente era mesmo. E nesse dia eu me senti bonito, você se sentiu bonita e era do jeito que tinha que ser. Não li mais livro e não marquei página pra não querer voltar atrás, tirei o telefone do gancho e nem percebi, mas já tava offline desde que você chegou. Eu não usei o carro naquele dia já que não queria poluir o mundo. Não queria acelerar a perda daquilo tudo, não queria deixar escapar pelas mãos a sensação que queimava a garganta pés panturrilhas palma da mão e me fazia suar quando os graus eram negativos. Revisitei as minhas gavetas e vesti uma roupa de ginástica velha que tinha cheiro de mofo só pra correr por aí e sentir que eu ainda tinha músculos, articulações, cãibras, tendões, movimentos. Descobri que em casa eu falo alto e que os vizinhos ficam preocupados quando eu fico em silêncio. Fiquei encarando você e todas as veias e poros e pele do seu rosto de perto e vendo tudo humano como a gente era. No dia em que você chegou eu passei uma meia hora olhando e tocando nos seus braços e repuxando a carne e falando palavras feias, longas, difíceis, enroladas, gaguejando que até ficou bonito pra contar depois sobre o riso que você deu porque eu não acreditava que tu era real.


Abracei como nunca abraçava. Beijei como nunca tinha beijado. Chorei como se tivesse perdido a vergonha do mundo e deixei eles me verem assim, com o nariz escorrendo, os olhos escorrendo, a boca escorrendo, toda essa felicidade escorrendo de dentro de mim e me banhando, e você ali num riso que nem ligava pra toda essa coisa feia que eu tava te mostrando. Sonhei como nunca tinha sonhado, sem travesseiro, sem cama, sem sono nenhum porque não dava tempo de dormir e eu tinha receio de acordar e perceber que era o efeito dos remédios que eu andava tomando ou das noites mal dormidas por causa da universidade. Amei como nunca tinha amado e não podia deixar aquilo sair de mim porque me deixava sem fôlego, exausto, com a sensação de que tudo podia cair a qualquer hora e você ali com um riso que me causava arrepios e uma dorzinha gostosa na barriga . E você me abraçava abraçando, me beijava beijando, jurava ficar, e foi ficando. No dia em que você chegou, chegou e ficou impregnada na cortina, nas paredes, na decoração, no quarto, na pilha de louça suja da cozinha, nos remédios, nas camisas arrumadas pela cor, Em mim. Chegou e ficou grudada, marcada, colada, fechada na pele pra sempre feito tatuagem.

sábado, 1 de junho de 2013

Sobre a vida sem você



Hoje, no trem voltando de Londres, me dei conta de que alcançamos o maior tempo sem trocar uma palavra um com o outro desde que nos aproximamos. Tem sido complicado pra mim, sabe? Antes era só a falta física de você. Sabíamos que não ia ser fácil ter um oceano de distância entre a gente, mas pelo menos eu sabia você estava aí, do outro lado da linha. Agora está tudo meio fora de lugar.
Minha vida sem você tem estado estranha. Imaginei que ela fosse voltar pro que era antes de você dobrar a esquina do meu átrio direito e se instalar ali: dias normais com garotas sem graça, mas não. Eu cresci tanto com você que não consigo mais voltar ao tamanho que tinha antes. É como se eu estivesse fora do lugar, sabe? Sem você eu sinto que não me encaixo mais na minha própria vida.
Sem você aí do outro lado eu só tenho as fotos e os registros das conversas que tivemos pra lembrar dos dias bons. Sem você, acho, eu tenho ido bem. Quer dizer, ninguém morreu, além da minha visão sonhadora de mundo. O problema são as noites. As madrugadas, na verdade. É, as madrugadas têm sido difíceis, não tenho bem a certeza do porquê…Talvez porque fosse a hora que nos falávamos mais, ou porque seja a hora em que a gente deita a cabeça no travesseiro e a saudade aperta o coração. Às vezes chega a doer.
Tem feito mais frio do que deveria fazer em junho. Outro dia até nevou, você acredita? Os dias sem você têm sido sempre negativos e em preto e branco e por mais que eu use cachecóis e luvas, falta o castanho forte dos seus olhos aqui pra esquentar as coisas. Tenho bebido mais desde que você ficou pra trás também. Aqui no meu quarto tem uma vazia de merlot, um sauvignon, um carmenere e um shiraz, daqueles que voce disse que gostava, lembra? Não tinha bebido essa uva antes de você. Na verdade, não conhecia muitas coisas antes de você. Saber que eu fico bem de barba, o que é uma pirueta de ballet, descobrir meu gosto por carros esporte e o nome daquela coisinha na unha que eu gosto que você faça foram umas delas. Ser plenamente feliz também foi uma coisa que eu descobri com você.
Sem você tem sido difícil me adaptar com as coisas, me acostumar. Outro dia quase chamei uma inglesa aqui pra sair. Quase, porque aí eu percebi que ela não tinha seu sorriso, nem seus olhos, nem seu cabelo. Nem suas pernas, nem seus lábios, nem seu cheiro. Aposto que ela não sabe beijar do jeito que você beija. Sem você as outras meninas perderam a graça.  Desde que você foi embora da minha vida, foi embora meu norte também. Tem dias que eu me perco no caminho do pub pro flat. Todos aqueles planos e as verdades absolutas que eu sempre tive também foram depois que você foi embora. Não tem mais poesia, só prosa. Como essa aqui.
Tenho ido bem sem você, tirando o fato de que sem a sua boca meus lábios racham de frio ou que sem seu sorriso tá tudo mais nublado na minha vida. Sim, eu tenho ido bem sem você. Até aprendi a mentir.