quarta-feira, 16 de julho de 2014

Quase




Juro, tô quase te esquecendo. Tirei tuas fotos dos porta-retratos, guardei tua escova de dentes no armário e joguei fora seu antialérgico. Não compro mais rosas vermelhas, para evitar lembranças. Nunca mais cheguei perto daquele banquinho onde namorávamos, nunca mais fiz cooper  na orla e nem fui mais ao clube aonde íamos aos domingos, aquele mesmo clube que foi cenário do nosso primeiro beijo de amor. Apaguei nossas fotos do celular, deletei nossas conversas. Ainda não consegui doar as tuas roupas que ficaram aqui em casa, mas juro, tô quase te esquecendo.
Se não fossem as músicas que ouvíamos juntos e que ainda continuo ouvindo, aquela camisa azul bebê que você me deu e que é a minha favorita  e o teu cheiro, eu já teria te esquecido. Não te procuro na internet, corto caminho para não passar na frente do teu prédio, evito ir ao cinema nas sextas-feiras e na praia aos domingos. Se não fossem os filmes que assistimos juntos passando na TV pelo menos uma vez por semana e aquele cara ainda vendendo pastel misto na minha esquina, eu já teria te esquecido. Mas juro, tô quase te esquecendo.
Excluí teu telefone da minha agenda e joguei fora os meus textos não entregues pra você. Pedi pra moça que trabalha aqui em casa nunca dizer que eu estou em casa, e pedi pra os vizinhos nunca falarem de mim, e nunca mais fiz beijinho de coco e nem estudei técnicas de massagem. Se não fosse a vontade de tomar aquele drink ''Pajuçara'' na Itynerantys e a necessidade de tomar banho ouvindo música, eu já teria te esquecido. Troquei a roupa de cama, quebrei aquela xícara, joguei fora a roupa que ficou com cheiro do hidratante de maracujá que te dei e você usava pra fazer massagem em mim, mas, juro, tô quase te esquecendo. Se não fosse o curaçau blue e o sorvete de flocos, eu já teria te esquecido. Se não fosse a praia dessa cidade, eu já teria te esquecido.


Comecei a ler pra afastar a insônia, entrei na academia, fui fazer compras no meio da semana, troquei o plano de fundo da minha área de trabalho, fiz uma limpa nas minhas pastas e alterei minhas senhas. Se não fossem as pessoas sempre me perguntando sobre você e aquele coração de argila que você fez pra mim, eu já teria te esquecido. Mas eu juro, tô quase te esquecendo. Cortei o cabelo bem baixinho, deixei a barba ficar alta, no tamanho que você não gostava, comi uma caixa inteira de bis, dancei na frente do espelho até não aguentar mais, dormi no meio da tarde, cheguei atrasado numa entrevista de emprego, quebrei meu cofrinho e planejei uma viagem. Se não fosse o fato de a carteira de estudante que pedi pra você fazer pra mim nunca ter chegado, juro, eu já teria te esquecido.


Se não fosse o fato de que muita coisa ficou sem explicação e fofocas, mentiras e inveja que nos atrapalharam, eu já teria te esquecido. Se não fossem os encontros com seu porteiro Harold toda sexta-feira de manhã no ponto de ônibus, eu já teria te esquecido. Se não fosse meu casaco ainda com o seu cheiro, eu já teria te esquecido. Se não fosse a vontade de te ver todos os dias, eu já teria te esquecido. Se não fosse o supermercado aonde íamos com frequência ainda estar lá, intacto, no mesmo lugar, e com nossos doces nas mesmas prateleiras, eu já teria te esquecido. Se não fosse o vídeo game, eu já teria te esquecido. Se não fosse o twix, eu já teria te esquecido. Se não fossem as lojas que vendem cadeiras e sofás, eu já teria te esquecido. Se não fosse o espelho quebrado, eu já teria te esquecido. Se não fosse a tua voz, eu já teria te esquecido. Se não fosse a tua risada, eu já teria te esquecido. Se não fosse você, eu já teria esquecido. Mas juro, tô quase.




domingo, 13 de julho de 2014

Tropeço em ti





Atravesso na faixa e viro duas ruas antes do caminho que eu sempre pegava. Você se lembra bem, eu sei, que eu costumava passar por ali todos os dias e olhar pro prédio vermelho e cinza. Olhava, apontava, andava mais um pouco e pegava o ônibus das 9h pra dar tempo de chegar no trabalho. Mas faz um tempo que não passo por ali. No novo caminho que faço, passo sempre distraído olhando pra baixo, com um café numa mão e o celular na outra pra responder e-mails e notificações inúteis. Finjo que já tenho o caminho alternativo decorado e ando sem olhar pra frente, esbarrando sempre numa placa e tropeçando num buraco na calçada à esquerda. O mesmo buraco, um novo tropeço, todos os dias.
Vou te dizer que o balanço do ônibus me incomoda, mas incomoda porque no trajeto eu desligo o celular e fixo um olhar distante na janela. Volto o pensamento em você. Na sensação que eu tinha de companhia ali do lado, dos domingos de sol, das noites comendo besteiras, brincando de bem-me-quer-você-me-quer contigo. Volto o pensamento em você e me lembro da promessa de que você nunca mudaria, por mim e pela versão de você por quem me apaixonei. Eu prometi também, meu bem, e nunca mudei.


Deixo as roupas no varal, com sol ou com chuva, porque eu sou metódico e sigo as tuas instruções uma por uma. O passo um era pedir desculpas e entender um pouco melhor sobre fechaduras. Pulei a lição. O passo dois era fingir que eu não me incomodava com recaídas, que tava tudo bem por mim se você me quisesse de tempos em tempos, eu estaria disponível no cardápio volante do buffet. O passo três era não ligar, não mencionar, não me importar e reprogramar as minhas reações para serem inertes sempre diante de ti. Falhei miseravelmente. Até o dia em que você desapareceu do outro lado da estação e eu nunca mais vi teu contorno.
Entende, bem, que eu aceitei a ideia de você ir embora. Não era hora, tudo bem, mas era eu. Tenho certeza de que era eu e de que era o meu amor que você precisava. Tenho certeza que você dorme com o meu cheiro no travesseiro e isso te incomoda, que você vê umas fotos minhas nas redes sociais e não curte por receio, mas fica balançada. Tenho certeza de que eu tenho um espaço cativo ali, feito espinho na rosa do teu peito. E faço você se coçar, se arrepiar, soltar uns suspiros, se perguntar o que deveria fazer e baixar a cabeça pra continuar olhando em frente – porque você tem certeza de que fez a coisa certa em deixar pra lá.
No mais, eu tenho tentado refazer as coisas do meu jeito, sem seguir todos os jeitos que eu conheci com você. É bizarro, você não acreditaria em como é difícil se desfazer das manias de quem se ama, de como é complicado ir desconstruindo os costumes e as coisas que eram normais até ontem e hoje já não existem mais. Você mesma fez a mudança, não deixou nada que doesse, mas me deixou. Quer dor maior que essa? Dói em mim e eu te evito em cada canto. Não vou mais na mesma padaria, no mesmo parque, no mesmo cinema. Não penso mais em assistir os filmes que assistimos juntos ou as músicas que ouvíamos juntos porque, amor, não é por mal, é por mim. É uma tentativa consciente de apaziguar um pouco o que tá rolando aqui dentro e ficar em paz. Continuo tentando porque sei que não consegui ainda.
Ontem, por exemplo, eu tomei café mais cedo e decidi que refazer o nosso caminho era a melhor forma de provar pra mim que já tava tudo bem. Me arrumei, hesitei, peguei o café e o celular na mão só pra compor a paisagem. Passei direto pelas duas ruas que eu nunca via e entrei na do prédio vermelho e cinza. Olhei uma vez e corri os olhos pro lado. Olhei uma segunda vez e nada, nenhum ploft mágico, nada pra tirar o smartphone da minha mão e pôr a tua ali. Percebi que não adiantava nada. Mesmo sem buraco na calçada eu iria acabar tropeçando, porque eu acabo sempre tropeçando nas lembranças, na saudade, acabo sempre tropeçando em ti.