terça-feira, 28 de maio de 2013

Sobre a pessoa mais bonita do mundo


Eu queria a pessoa mais bonita do mundo. Queria porque queria. Porque me interessava, porque me atraía, porque tinha o sorriso mais bonito e bem espaçado que eu já tinha visto. Porque era o meu tipo perfeito na combinação de tom de pele com a cor do cabelo. Tinha a altura média ideal e parecia ser tão simpática e bonita quanto as pinturas mentais que eu faria da pessoa perfeita. Eu queria porque queria e todo o mundo mais queria. Mas em todo fim do dia, depois de passar horas vendo fotos e vendo o que a pessoa mais bonita do mundo dizia, eu chegava à conclusão de que era areia demais pro meu caminhãozinho. Até que um dia eu topei com a pessoa mais bonita do mundo.
Topei, escorreguei, quase caí e nunca me vi tão destrambelhado como nesse dia. Ela riu, me ajudou a sustentar os dois pés como base e ainda me chamou lá pra fora da festa, pra aproveitar o ar da varanda. E foi aí que eu a tive pra mim. Nuns poucos minutos de embriaguez e oportunidade, eu tive a pessoa mais bonita do mundo. Numas horas restantes de festa, eu tive a companhia dela. E foi frustrante. A pessoa mais bonita do mundo, aquela que todo mundo queria, que parecia ser o sonho de muita gente – e o meu tipo perfeito – não era nada demais. Nada demais. Era como o eco da confusão que gritava na minha cabeça. O beijo era morno, as mãos eram soltas, o abraço não combinava, os olhos se desviavam pra não encarar a falta de cumplicidade e admito que nem chegou perto daquele frio na barriga que a gente sente quando encontra alguém que tem potencial pra mexer com a gente. Frustração porque a expectativa tava tão alta e desabou com aquele encontro kamikaze. Porque eu suava pelas mãos e o meu corpo não reconheceu o dela, o nervosismo foi meio que em vão e eu passei o dia seguinte inteiro pensando sobre a verdade da situação: a pessoa mais bonita do mundo não era pra mim.
O que seria pra mim então? Essa minha busca por ela tinha me transformado num projeto de psicopata por algumas semanas. Longas sessões de stalking e de insegurança à flor da pele, a rever todos os meus conceitos de auto-imagem e de percepção sobre o tipo de interesse que eu poderia causar nela, até chegar ao pensamento clássico de que era demais pra mim. Mas deixa eu contar uma coisa pra você: tipos perfeitos não existem. E foi isso que eu percebi quando eu estive com a pessoa mais bonita do mundo. Que a gente monta um modelo de pessoa perfeita pra gente, desde a parte superficial aos mínimos detalhes de leitura e gosto musical – tem gente que até pensa no vestuário e coisas do tipo – e a gente acha que se apaixonaria fácil por alguém assim. Não só nos apaixonaríamos como também teríamos um lindo relacionamento nessa equação perfeita. Até que a gente se lembra de incluir a necessidade de química, a compatibilidade de gostos e assuntos dentro do nosso universo e fora dele, o timing e os objetivos de vida – além da visão de mundo dos dois e muito mais. Ah, quando a gente monta a equação inteira, a gente percebe variáveis que saem do nosso controle e que não podem ser supostas apenas pela aparência, pelo sorriso e pela forma com que o outro parece interessante. A pessoa mais bonita do mundo era interessante, mas não pra mim. Fazia exatamente a minha ideia de tipo perfeito, mas não era meu tipo real. E a frustração foi fruto dessa expectativa boba e mal desenhada que eu tive – e aposto que você também deve ter em relação a alguém. Nossos tipos perfeitos foram feitos pra sonhos, literaturas, preenchimento de ego e afins. O importante mesmo é o tipo real que pode passar bem longe do que a gente espera que seja.
Depois daquela noite, eu fui indagado pelos amigos sobre o porquê de não ter entrado mais em contato com a pessoa mais bonita do mundo. Do nada, a minha pequena obsessão se desfez e eu deixei de achar tanta graça assim nela. Talvez eu também não tenha sido nada demais pra ela e essas coisas acontecem. Meus amigos não entendem, mas a verdade é que agora eu tenho uma nova perspectiva do tipo de pessoa que eu quero. Eu quero alguém real, uma boa pessoa que entre na equação e que, talvez, nem complete todas as variáveis, mas que me faça sentir a pessoa mais especial do mundo. Que mexa comigo como os meus tipos perfeitos mexem em sonho, mas de verdade, de carne e osso, pra causar frio na barriga e arrepio. Alguém que pode ser o completo oposto do que a gente espera pra se apaixonar – e mesmo assim consegue fazer com que a gente se apaixone. Eu agora quero tipos reais. Deixo os tipos perfeitos pras capas de revista e pros meus personagens preferidos de filmes, deixo pro ego satisfeito e pras noites de sono. Acordar mesmo, eu quero que seja ao lado de uma boa pessoa real.


Sobre as Lembranças






As lembranças são armadilhas suaves que nos pegam pelas pernas e nos enlaçam. Dão cama, casa e comida enquanto a gente acha que reconstrói tudo aos poucos – sem saber que tudo aquilo vai desmoronar num piscar de olhos. Subtraem enquanto a gente acha que soma. E somem num instante. Deixam a gente em pó suspenso no ar. Embaçam os óculos e atrapalham a respiração. Lembranças são a marcha ré disparada sem querer no meio do engarrafamento. E a gente bate com tudo no que deveria nem encostar. Embaçam a vista e a vida. E se fazem de dissimuladas: o que era ruim desaparece e o que nem era tão bom assim ganha um peso de sobrecarga. Um sorriso de lado vira a coisa mais bonita que a gente já viu. E as histórias de corações partidos são substituídas por mal-entendidos irreais. As lembranças se misturam e se chocam. Servem de travesseiro pras noites mal dormidas. E acabam recriando cafunés que nunca existiram.
Lembranças são o resto da memória que ainda vive. Se escondem nos ralos e nos cantos escuros do corredor da casa. Se disfarçam de porta-retratos e roupas guardadas. É nelas que a gente revive o que a gente foi – e o que nunca foi também. Elas não são feitas de deixar de ser. Elas são, e nos cutucam na ferida aberta a cada novo momento. Sem alarme de incêndio pra avisar do fogo. São queimaduras de segundo grau que a gente ganha pela exposição prolongada ao passado. E nos transportam para o ponto final do início de tudo. O fim de alguma história se torna ponto de partida – e mal sabemos nós que estamos presos a um ciclo vicioso de repetições. Tanto das lembranças quanto das ações. E os fins entortam os meios. E a gente parece não lembrar direito o que aconteceu. Só se lembra de que acabou. Ou que nem chegou a existir.
Elas são de uso exclusivo aos que possuem corações fortes. São prescritas de forma a seguir uma bula de nostalgia e sofreguidão. É como colocar um doce na boca de uma criança e tirá-lo depois. Só que as crianças somos nós. E daí nos prescrevem tarjas-pretas. Lembranças podem nos levar à loucura, de fato. Mas eu espero que a nossa loucura possa ser perdoada. Porque a gente ainda não descobriu como se desfazer do doce vício de relembrar antigos diálogos e fotografias.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Quadrilha da vida


“João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém”. Pode ser que o seu nome não seja João, nem Teresa, nem Raimundo, nem Maria, nem Joaquim e nem Lili. Mas, provavelmente, você já foi personagem de uma história como essa. Assim como João, você já pensou em Teresa antes de dormir. Assim como Teresa, você já derramou algumas lágrimas por Raimundo. Assim como Maria, você já quis saber o que Lili tinha e você não. Assim como Joaquim, você já homenageou Lili no banho. E assim como Lili, você já esteve livre e desimpedida antes de se apaixonar por mais um João. Em suma, como todo bom ser humano, você já ficou sem par na quadrilha da vida em pelo menos uma festa junina desse mundo de encontros e desencontros.
Em sete singelos versos, Carlos Drummond de Andrade, em ''Quadrilha'', conseguiu eternizar da maneira mais simples possível a mais genuína fonte de satisfação e sofrimento desde os tempos mais remotos – essa dor que se chama ''amor''. Satisfação porque, por mais que Teresa não corresponda ao amor de João, saber que é desejada – se não trouxer uma felicidade momentânea – pelo menos infla o ego. Mesmo ego a quem o desamor de Raimundo tanto maltrata – e daí vem o sofrimento. Recuso-me a continuar explicando o amor e peço desculpas já de antemão pelo quão patético isso possa ter soado. Embora indecifrável, o amor é inerente ao homem. Explicar o amor a um homem é tão desnecessário quanto apresentar a respiração subaquática a um peixe. O amor não precisa de explicação. Mais do que isso, o amor não merece explicação. Merece apenas que abramos os braços ou viremos as costas. E aí, meus caros, depende de nós.
Por mais que Hollywood tenha o ensinado que não se escolhe quem se ama – e que você tenha acreditado porque isso soou extremamente bonito e comovente aos seus ouvidos - eu ponho as minhas dúvidas sobre as suas certezas. Um: você só se deixa encantar por alguém se se permite. Dois: você só se permite porque está ciente de todos os alentos e desalentos que isso pode trazer-lhe mais pra frente. Três: você só se envolve quando enxerga que há uma mínima possibilidade de sucesso. Quatro: sucesso não significa necessariamente casar e constituir família. E cinco: não, o que você sente pelo Robert Pattinson não é amor.
Quem me vê falando assim, com tanta propriedade, tem a mais absoluta certeza de que eu nunca derramei uma lágrima por uma mulher que fosse. Seria realmente maravilhoso se não fosse mentira – afinal, se tem uma coisa que eu tenho mais do que todos vocês, além de me foder, é dedo podre amparado por uma (In)consciência levemente masoquista. Sim, a conclusão que tiro de tudo isso é que, assim como eu, todo ser humano tem um pouco de masoquista. E de sádico também, porque, como componentes de um bom par complementar, o masô não existe sem o sádico. Na quadrilha, enquanto o sanfoneiro toca, Maria satisfaz seu masoquismo com Joaquim, que exerce seu sadismo sobre ela. E assim a tal da quadrilha da vida vai se consumando. Olha a cobra! É mentira! Olha a chuva! Já passou! Olha a decepção! Provavelmente está à sua espera na próxima esquina. Olha os amores imperfeitos! Esses não passam. Jamais passarão.

sábado, 25 de maio de 2013

Sobre o melhor amor que já tive


Você me pega pela nuca e me arrasta por cada parte do seu corpo com força e precisão. Quase me arranha com a minha própria barba usando a fricção da pele pra desenhar os nossos sinais na barriga, seios, pernas, coxas e tudo mais. Me faz pagar a língua quando eu enceno algum teatrinho dramático pra não deixar você levantar da cama: você fica se quiser e ainda diz que poderia ter levantado enquanto aproveitava a minha distração. Conto as suas pintas uma por uma com cuidado pra você não perceber a minha obsessão em calcular cada milímetro do teu corpo. Tento aproveitar que agora é tarde e daqui a pouco amanhece, você vai embora e se cria um abismo que envolve tempo e espaço entre o toque da campainha e o nosso toque de novo.
Eu tenho pressa de você e a minha ansiedade não pode ser controlada por diagnóstico nenhum. Me liga pra desafinar essa saudade com o teu tom rouco, pra melhorar o meu dia, pra me fazer dirigir com pouca atenção e ser xingado no meio do trânsito turbulento dessa cidade, me liga pra desacelerar o meu pensamento e a minha prosa que vai. Se perdendo. E não se conclui. E fica solta por aí com. Muitos pontos e fala mais um pouco que eu quero ouvir tua voz de novo, vai.
Me lembra como é bom desacreditar e ser pego de surpresa com alguma coisa boba rondando a cabeça que até os meus amigos perguntam – mas já sabem que vem de você. Já sabem que eu misturo o teu cheiro, as tuas roupas, a sua preferência por cachorros e bebês que me deixam de lado nos shoppings, cinemas, peças, parques, encontros, os filminhos água com açúcar que você adora ver escondida e faço uma bagunça danada dentro de mim. Engraçado que a gente tinha tudo pra se repelir porque você não é nem meu oposto, nem se parece comigo, nem sei dizer mesmo como é que um esbarrão podia ter sido a coisa mais doce da minha vida quando eu nem ao menos tinha provado o teu gosto.
Faz parecer que as vinte e quatro horas do meu dia passam  devagarinho e não tem botão pra avançar em você como eu bem queria fazer agora. Deixo o trabalho e parece que eu tenho sempre quinze anos de idade de novo porque você me aflige, me ataca, me espreme e tira mais de mim do que muito psicanalista com doutorado e me causa uma taquicardia que a minha boca fica seca, eu me descontrolo – mesmo que só na minha cabeça – mas não repara, tá? Repara no que você me faz de bom e de como a vida ficou boa quando você quis ficar por aqui, passeando, me fazendo sala, jogando baralho, xadrez, dominó ou dormindo em cima de mim. Repara que eu estampo na cara o que o seu uso prolongado pode causar de efeito colateral – pra bem e pra mal – e as reações adversas que me causam o excesso e a abstinência de você. Repara que pra você eu me separo em partes, das que você precisa conhecer às que a gente pode ignorar um pouco agora, e sempre te apresento o melhor de mim, servido na bandeja com um Martini e azeitona. Repara que você é o melhor amor que eu já tive e que me tem nos detalhes, nos fiapos desfiados das camisas de lã no frio, na mão suja de carvão do churrasco de domingo, nas notas fiscais guardadas e organizadas nas pastas pra me lembrar do presente do dia dos namorados que eu ainda não comprei. Repara que você me enamora e me encanta como nunca alguém me encantou nessa vida. Repara que você nem sequer existe de verdade.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ou me cospe, ou me engole.



Me atiro num pulo ou nem subo no muro. E você, ah, você que não escolhe e acha que o tempo é seu servo, você que pensa que a eternidade existe pela espera, você que confunde a calma, calmaria e tranquilidade com indecisão, medo, dúvida que nunca é sanada. Você precisa parar ou cair de vez, sem interferências cósmicas, antropológicas, e ambientais de força maior que te façam parar no meio do caminho. Você, que não é como eu, precisa entender que não é de açúcar pra evitar andar na chuva, e se for, é melhor que se desmanche de uma vez só, sem essa coisa de piedade, bondade, cautela, essas coisas que atropelam a gente e deixam a gente estirado no meio da rua, sangrando, agonizando, morrendo aos poucos sem nunca morrer de vez. Você precisa deixar de esperar, de esperar por socorro, apoio, certeza e se decidir.

Você, como diria Cazuza, vê se ao menos me engole, mas não me mastiga. Você precisa reaprender a andar nas ruas, avenidas, prédios e elevadores sem parar em cada esquina ou andar pra se certificar que as coisas vão indo. Você que é muito comedida e nunca teve nenhum arranhão de bicicleta, patinete, moto, amor ou uma dessas coisas todas que machucam, saram, cicatrizam e bola pra frente. Justo você que tá aí e não se mexe, melhor ficar parada, imóvel, estátua, fria de si mesma, se a ideia for desistir no meio do caminho. Mas escolhe ficar parada. Escolhe, decide, me conta, eu respeito, você vai entender, eu também vou, e se isso for te fazer feliz ou me fazer feliz ou fazer de nós dois infelizes que tomaram as decisões erradas, tudo bem. Pelo menos tomaram. Decidiram-se. 8 ou 80 e não tem outra numeração pra você que é sempre metade do que podia ser.
Você que é o revés dos meus riscos e ainda assim é um risco que ainda não entendeu isso, você que simpatiza com a prolixidade das reticências sem ter consciência de que esperar demais pode criar bolor em mim, em você, na gente, nos outros, nas histórias e em tudo mais que não se deixa levar. Você, é, você mesma, que tá se debruçando nos braços sem o peso de preocupações, sem o peso de ter que se decidir e acaba deixando o destino, sorte, tarot, búzios e astros decidirem por você. Você que podia me ter, mas não tem por muito pouco, por muito perto, por não ter cruzado a linha em tempo hábil, por ter deixado a decisão de lado ou por nunca ter se decidido. Você que nunca sabe o que fazer e nem percebe que só perde tempo dinheiro beijos suspiros felicidade amor e todas essas coisas que parecem uma coisa só quando eu não uso vírgulas pra respirar. Você que podia me deixar sem fôlego, mas não deixa porque não é nem um pouco igual a mim que sou 8 ou 80. Ah, você…Se atira logo num pulo ou nem sobe no muro. Ou me cospe, ou me engole.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Sobre aquele sentimento de Saudade






Mais uma vez ele viu o relógio mudar rapidamente de 6 para 7 os minutos da quarta hora da madrugada. Apesar da quase rotina, esse hábito ainda causava um certo desconforto; parecia haver hora certa para lembrar dela. Balbuciou o palavrão de sempre, estalou os dedos e procurou os óculos no escuro. Já previa a dor nos olhos antes mesmo de acender a luz, então decidiu descer a escada no breu mesmo. Abriu metade da janela, observou a chuva por alguns minutos, lembrou das noites chuvosas ao lado dela, lembrou do vidro embaçado e da música suave das gotas atingindo-o, lembrou do edredom roxo ou violeta ou púrpura – nunca soube qual a verdadeira identidade cromática do negócio e também não levou o assunto à ela – e do cachorro dormindo embaixo da cama. Lembrou dela, do sono dela, da maneira como os olhos dela se apertavam quando ela dormia, das asas redondas do nariz, dos lábios finos convidando-o para um beijo. Lembrou do cheiro da respiração dela e respirou profundamente, como que querendo encontrar tal cheiro no ar. Falhou.
Foi acordado do sonho-acordado por uma distante sirene de polícia, andou lentamente até o fogão e aqueceu uma medida de leite. Enquanto aguardava, reparou na quase dúzia de folhas de caderno escritas e rasuradas e espalhadas na mesa numa ordem que somente ele entendia. E nessas folhas, palavras que somente ela entenderia.
Sonhou de novo, e dessa vez com os vários bilhetes que escondeu pelo quarto dela, bilhetes recheados de pequenas juras e promessas e micro-elogios que arrancariam dela aquele sorriso que só ele conhecia, bilhetes assinados pela metade, que mostravam o quão inteiro ele era com a metade dela. Acordou novamente, dessa vez com o cheiro de leite fervendo, xingou a vaca, disfarçou muito mal um sorriso, terminou de preparar o capuccino e aqueceu a garganta com goles curtos. Era normal esquecer do mundo quando se lembrava dela. Era comum.                         
Largou a xícara na mesa, apagou a luz e, antes de voltar à cama, viu a luz amarela e deprimida de um poste atravessar a janela e repousar na cadeira ao lado. Como previsto, sentiu o costumeiro aperto no peito e também a solidão tocar-lhe os ombros. Tudo naquela casa lembrava dois, à dois, os dois, mesmo sem nunca ter existido dois naquele espaço. Repare bem: naquele espaço. A cadeira vazia servindo de repouso para o violão, o número de talheres e pratos e copos, a mesa redonda e pequena, o box do banheiro, a cama de solteiro (para dormirem mais próximos). Sentiu o chão gelado abaixo dos pés e desejou os pés dela colados nos dele. Voltou pra cama, olhou a foto dela na tela do celular, rezou por ela e reclamou consigo mesmo, com seu próprio deus, sobre as lágrimas que se acumulavam nos cantos dos olhos contra sua vontade. Alguns minutos depois da quarta hora da madrugada, ele tirou os óculos e os deixou no chão mesmo; ela não estaria ali para pisar neles meio que por engano. E como esperado, não dormiu.

sábado, 11 de maio de 2013

Se você não me quiser




Se você não me quiser, reserva o tempo e as precauções pra outra pessoa. Me deixa meio quieto no meu canto e pára de puxar muito assunto assim, como se você se importasse mais do que o normal, como se você tivesse que me ver bem de qualquer forma por conta de algum interesse romântico que te deixasse extremamente triste e vulnerável se eu também estivesse. Deixa que eu me refaço sozinho sem riscos de má interpretação. Deixa que eu prefiro ficar num canto ouvindo toda a discografia de Djavan, pensando nas formas de me trancar no quarto por dias sem ninguém encher o saco e tudo mais. Deixa que eu vivo nessa minha de ser sozinho e vou indo, que é bem melhor do que achar que eu tenho a sua companhia.
Se você não me quiser, esquece que a nossa discografia combina tanto e não deixa isso transparecer a toda hora. Não sorri demais e nem fala de mim pras suas amigas. Não diz que eu sou bonito e que tem tanta gente lá fora me perdendo por entre os dedos porque não consegue me ver do jeito que você vê - quando, no fim das contas, você acaba sendo só mais uma que tá lá fora me perdendo também por entre os dedos - mas você me vê e isso deve ser pior ainda pra mim. Friendzone de romance que podia dar certo machuca mais.
Se você não me quiser, é melhor parar de mexer comigo. De dizer que se lembrou de mim quando nem eu mesmo me lembraria. De brincar de ciranda comigo e com meus olhos. De dizer que tá aqui pra sempre e deitar no meu colo sem tirar as mãos da minha coxa. É melhor deixar bem claro que a gente tá procurando no outro alguém diferente – ou até tá procurando a mesma pessoa, mas pra fins diferentes. E o fim é sempre aquela bosta confusa que constrange quando fica claro.
Se você não me quiser, pára de dizer que eu sou especial. Minha mãe me diz que eu sou bonito, meu pai me chama de responsável, os amigos me acham legal, mas especial eu só sou pra você mesmo (e pro meu cachorro também). E isso acaba fazendo com que eu me sinta especial sempre que você me dá as mãos e diz: ''vamos lá, você pode''. Eu posso? Então me diz que eu posso e que você quer. Diz que eu posso mesmo, desse jeito, agora.
Se você não me quiser, ah, diz que não quer. Diz que os beijos roubados foram bobeira e que a sua agenda só tinha lugar pra mim porque você tava carente e precisava me ver por isso. Diz que os meus amigos são uns paspalhos e que gostaram à toa de você. Diz que eu não tenho motivo pra ficar preocupado porque alguém vai te deixar em casa e dormir agarrado com você de uma forma melhor do que a que eu faço. Se você não me quiser, não me quebra inteiro, não permita que eu me entregue por completo. Porque eu não sei descer ladeira com o freio engatado. E daí, um dia, você vai embora e eu vou me perguntar, sem que eu entenda nada, já que você parecia tanto me querer…


sexta-feira, 10 de maio de 2013

TUDO PASSA





É tão estranho quando passa, quando aquele sentimento de que eu nunca ia achar alguém igual a você passa. Quando aquela agonia nada bonita no peito, que até chega a inspirar ou a despertar sérios motivos pra terapia, passa. Porque na troca desse sentimento meio triste, meio sozinho, de gostar de quem não gosta da gente, de sentir por quem recusou claramente ou por acidente, na troca disso tudo e no meio do turbilhão, a coisa pára. Fica um buraco. Um buraco com tampa e um vazio diferente. Um vazio novo que a gente ainda não se acostumou, que tinha alguma coisa que preenchia antes e agora não tem, mas também não dói. É o vazio do que passou. E do nada eu percebo que você já não me incomoda tanto assim, que eu consigo acordar e ver ou ouvir qualquer coisa sobre você sem ter um aperto, sem me sentir perdido, sem ter nó na garganta e uma crise de alergia pra disfarçar as mãos suando e o efeito da sua existência. Do nada passa e é tão estranho quando passa…
Eu achei que você nunca fosse passar. A gente sempre acha que vai demorar muito, ou que a atenção nunca mais vai desviar o foco de você, ou que a gente nunca vai conseguir mais engolir a saliva que fica presa na garganta em todas as vezes que você aparece com alguém, mas passa. Daí fica a saudade. Sabe aquela saudade gostosa que persiste, que a gente usa pra tentar sentir de novo enquanto faz todos aqueles testes de reação pra ver se você ainda incomoda? Saudade estranha essa. Nem é boa, nem é ruim, é persistente. Acho que é pra dar algum conforto nesse nó no peito que se desfez.



E há os que não conseguem desapegar dessa dor, desse sofrer que ainda não passou e guarda isso pra sempre. Porque, se não bastasse perder – ou nem ter ganhado – você, agora eu também perco o nó que você me deu. Como se isso fosse uma companhia compensatória. Amar é sofrer demais pra quem precisa preencher algum vazio qualquer, mesmo que as formas não se encaixem e sempre sobre mais vazio dos outros lados. O vazio transborda. E essa gente um dia vai aprender que precisa deixar passar. Aprende também que, quando passa, a gente tem que ser forte também pra reconhecer que já foi, bola pra frente. Fazer uma história nova quando a gente esbarrar por alguém que vai ficar ou passar também. Porque se a gente se apega… Ah, acaba num ciclo infinito. Dor do que não passou trocada por saudades de sentir dor. Tem gente que acha isso melhor do que cantar Socorro e imitar o Arnaldo Antunes. Eu prefiro acreditar que não.



Mas agora, falando especificamente de você, de você ter passado, e de eu nem ter percebido a despedida, foi um estranho-bom. Foi bom porque a gente sempre acha que vai precisar de alguém pra ocupar o lugar e nem sempre é assim. Um dia desses, a gente acorda e pronto, você passou. Um dia desses a gente nem se lembra mais do seu telefone. Dia desses a gente se esquece até das suas manias e gírias e acaba arrumando o armário sem dó nem piedade. Ah, tudo passa. Você passou e muita gente ainda vai passar. Eu mesmo já devo ter passado pra tanta gente e pra tanta gente que ainda nem esbarrou comigo ainda. Você passou e eu tô deixando você ir de vez. Sem me agarrar ao falso conforto da saudade que fica. Vai, pode ir, foi bom enquanto durou, mas eu já não preciso mais. Passou, passado. E fica até engraçado o jeito que a gente se pega vendo que o apego não tinha o menor fundamento e que tudo que a gente fez foi meio imbecil. Mas não foi em vão. Eu precisava ter feito de tudo, ter ouvido de tudo, ter comido de tudo, ter chorado de tudo, ter rido de tudo e mais um pouco pra você passar.


Pra essa gente que ainda não passou, espera um pouco. Um dia desses a coisa muda. Abre um vinho e põe pra tocar alguma música, de preferência alguma boa. Canta e bebe comigo, no volume que achar necessário. “Dentre as flores, você era a mais bela, minha rosa amarela, que desfolhou, perdeu a cor”. E quando passar, deixa passar tudo de vez sem fechar a porta no meio do caminho. Acredita em mim, um dia passa. Comigo passou.