terça-feira, 3 de março de 2015

Dessa vez eu não quero ser o héroi









Sempre fui do tipo que gosta de cuidar de alguém quando entra numa relação. Por gostar de ter certeza do terreno onde piso, eu sempre quis representar a pessoa que sabe o que tá fazendo ali. Queria ser a parte concha da conchinha, queria oferecer o peito pra deitar, queria ser o cara que conduz a valsa. E isso sempre refletiu muito nos meus relacionamentos.
Veja bem, não era nenhuma neurose controladora. Eu só gostava de me sentir necessário, de me sentir o porto seguro de quem tava comigo. Até que meu primeiro namoro longo acabou. Até que a tentativa do segundo foi um fiasco. Até que o último caso mudou muita coisa na forma como me via e foi um aprendizado enorme no início, meio e fim.
Depois do último fim, eu mergulhei num universo que era a minha cara: a loucura workaholic dos projetos e da vida adulta cheia de responsabilidades. Tive alguns bons encontros, mas nada além de encontros, nenhuma troca mais profunda. Eu cortei a coisa pela raíz nesses últimos meses sempre que me via na desagradável situação de nunca ter tempo pra cuidar de quem poderia vir pela frente. Num ato conformado de me convencer disso, eu abandonava a causa e me despedia. Melhor assim, não vou ter que como cuidar de você, eu disse (mais de uma vez).
Até ontem.
Até que eu cheguei em casa depois de virar duas noites trabalhando, com uma gripe insuportável, com as dores de cabeça de tudo o que eu tinha que fazer e entregar. Pensei no estresse e na falta de companhia, mas tudo bem, me falta tempo e eu vou ter que conviver com esse dilema: ao mesmo tempo em que quero cuidar de alguém, eu não tenho como fazer isso. Eu não tenho como me doar e me dedicar a alguém agora, eu não tenho como abrir mão dos meus horários encaixados para passar no cinema no meio da semana pra te ver, eu não consigo dar conta disso porque eu tô soterrado.
Uma lâmpada queimou no quarto. Tive um clique aqui dentro.
O problema real não é que eu não consiga me doar pra alguém porque eu não vou conseguir cuidar de quem quer que seja. O problema é que eu nego o tempo todo que eu também preciso de cuidado, eu delego sempre essa função a mim, mas só porque eu não baixo a guarda. Eu quero ser o herói de todo e qualquer relacionamento, mas poxa, isso cansa. Cansa porque ninguém é o Superman – e mesmo que seja, existe Kriptonita aos montes por aí. Cansa porque falta um abraço, falta um ombro pra deitar a cabeça e dormir no meio do filme, falta alguém que ligue no fim do dia e pergunte se tá tudo bem. E foi ontem, só ontem, que eu percebi pela primeira vez que eu também quero ser cuidado.
A gente tem que parar de negar e começar a admitir que quer fazer parte da vida de alguém, sim, e que não tem problema nenhum nisso. Não tem problema em querer ser a parte de dentro da conchinha, não tem problema em confessar que precisa de ajuda. Isso não faz da gente mais fraco ou mais forte, isso só mostra que todo mundo é vulnerável.
E foi no escuro forçado do meu quarto que eu percebi que dessa vez eu não quero ser seu herói. Eu quero, eu preciso de alguém que me salve. Alguém que me salve hoje e na próxima é a minha vez, a gente vai trocando. Uma vez é meu peito, na outra é seu ombro. E eu prometo que paro de mentir dizendo que me falta tempo, que me falta vontade, que me falta um monte de coisa porque só me falta mesmo alguém que me desarme. Alguém que me abrace quando descobrir que eu morro de medo do escuro.

Sobre a vida



Sem orgulho, sorriso ou brilho nos olhos. Sem vigor ou vontade de assumir. Sem mais delongas, protelamentos, procrastinações ou renegações: sou pessimista. Ainda que os sonhos me alcancem, me sinto como um maratonista fujão, que ao invés de chegar à linha, anda em círculos e vive de sonhos. Fúteis expectativas.

Talvez metade de mim chamasse esse meu jeito de autossabotagem. Quando os sonhos cometem aborto, com medo de se esvaírem. Algo como pré-conceito. Uma forma de podar as esperanças, arrancar as sementes antes que se fixem como raízes. Antes dos caules. Antes que a árvore seja alta, grande e corpulenta demais para ser arrancada sem a ajuda de um motosserra de verdades e nãos ouvidos na cara.

Acho que o destino de quem já deu topadas demais, recebeu pés na bunda, ou, sei lá, foi feito de trouxa, fantoche e boneca de pano, é essa incredulidade. Esse, digamos de um jeito eufêmico, ceticismo. 

Todos os dias, qualquer um que você seja capaz de imaginar, entre primeiro de janeiro e os infindáveis outros sábados e domingos, sonho. Durmo para descansar disso. Durmo para, digamos assim, dar um tempo nessa de imaginar, querer, desejar, almejar, pensar, sempre, em, querer, mais, em, querer, por favor, ir, além.

Quando a noite me vence, e o sono é mais pesado que os anseios e medos, todos misturados em insônia, é aí que eu não sonho. Não que eu não veja o mundo colorido de olhos fechados, mas, simplesmente e objetivamente, não me lembro dos meus sonhos. E, justamente quando todos sonham, eu só durmo. Sou uma espécie de ser humano às avessas. Não preciso do sono para sonhar. O faço com destreza, de olhos bem abertos. 

Na verdade, acho feio culpar os outros, sempre eles, por tudo que passamos. Por tudo que nos fizeram passar. Cada um recebe talvez, segundo um tal dito popular, o que merece. Quem sabe, em um universo paralelo, eu tenha plantado, e só agora venho colhendo esses frutos. Ora doces. Ora azedos. Ora estragados. Ora, só, hora. Tempo. 

Ainda que os sonhos me alcancem, me sinto como um maratonista. Alguém que vive se preparando para correr com todo o gás, em busca de um pódio. Em busca de um primeiro lugar. Em busca de deixar de lado uma vida de pessimismos, incredulidades e segundos, terceiros, décimos, quartos lugares. 

Só, rio.

Ainda vou chegar lá. Eu sei. A gente sabe. É que às vezes o mundo pesa tanto. Tudo parece tão escuro, difícil e inalcançável. As pernas, os braços parecem curtos. Curtas. Sonhos. Filmes que ficam passando na mente. No silêncio dos meus inquietos pensamentos.

Deixa pra lá. Hoje, ou só por hoje, vou fazer de conta que sim, que está tudo bem, tudo certo, tudo, ok. Fúteis expectativas. Coisas que enchem a gente de verde. De esperança. De querer, querer. Coisas que nos obrigam ou fazem acordar, todos os santos dias, para enfrentar mais uma (segunda-terça-quarta-quinta-sexta)-feira e batalhar por essa menina dos olhos chamada comumente de Felicidade.













Adaptação do texto "Beatitudinem, do latim", escrito por Matheus Rocha em: http://www.neologismo.com.br/2015/03/beatitudinem-do-latim.html