terça-feira, 3 de março de 2015

Sobre a vida



Sem orgulho, sorriso ou brilho nos olhos. Sem vigor ou vontade de assumir. Sem mais delongas, protelamentos, procrastinações ou renegações: sou pessimista. Ainda que os sonhos me alcancem, me sinto como um maratonista fujão, que ao invés de chegar à linha, anda em círculos e vive de sonhos. Fúteis expectativas.

Talvez metade de mim chamasse esse meu jeito de autossabotagem. Quando os sonhos cometem aborto, com medo de se esvaírem. Algo como pré-conceito. Uma forma de podar as esperanças, arrancar as sementes antes que se fixem como raízes. Antes dos caules. Antes que a árvore seja alta, grande e corpulenta demais para ser arrancada sem a ajuda de um motosserra de verdades e nãos ouvidos na cara.

Acho que o destino de quem já deu topadas demais, recebeu pés na bunda, ou, sei lá, foi feito de trouxa, fantoche e boneca de pano, é essa incredulidade. Esse, digamos de um jeito eufêmico, ceticismo. 

Todos os dias, qualquer um que você seja capaz de imaginar, entre primeiro de janeiro e os infindáveis outros sábados e domingos, sonho. Durmo para descansar disso. Durmo para, digamos assim, dar um tempo nessa de imaginar, querer, desejar, almejar, pensar, sempre, em, querer, mais, em, querer, por favor, ir, além.

Quando a noite me vence, e o sono é mais pesado que os anseios e medos, todos misturados em insônia, é aí que eu não sonho. Não que eu não veja o mundo colorido de olhos fechados, mas, simplesmente e objetivamente, não me lembro dos meus sonhos. E, justamente quando todos sonham, eu só durmo. Sou uma espécie de ser humano às avessas. Não preciso do sono para sonhar. O faço com destreza, de olhos bem abertos. 

Na verdade, acho feio culpar os outros, sempre eles, por tudo que passamos. Por tudo que nos fizeram passar. Cada um recebe talvez, segundo um tal dito popular, o que merece. Quem sabe, em um universo paralelo, eu tenha plantado, e só agora venho colhendo esses frutos. Ora doces. Ora azedos. Ora estragados. Ora, só, hora. Tempo. 

Ainda que os sonhos me alcancem, me sinto como um maratonista. Alguém que vive se preparando para correr com todo o gás, em busca de um pódio. Em busca de um primeiro lugar. Em busca de deixar de lado uma vida de pessimismos, incredulidades e segundos, terceiros, décimos, quartos lugares. 

Só, rio.

Ainda vou chegar lá. Eu sei. A gente sabe. É que às vezes o mundo pesa tanto. Tudo parece tão escuro, difícil e inalcançável. As pernas, os braços parecem curtos. Curtas. Sonhos. Filmes que ficam passando na mente. No silêncio dos meus inquietos pensamentos.

Deixa pra lá. Hoje, ou só por hoje, vou fazer de conta que sim, que está tudo bem, tudo certo, tudo, ok. Fúteis expectativas. Coisas que enchem a gente de verde. De esperança. De querer, querer. Coisas que nos obrigam ou fazem acordar, todos os santos dias, para enfrentar mais uma (segunda-terça-quarta-quinta-sexta)-feira e batalhar por essa menina dos olhos chamada comumente de Felicidade.













Adaptação do texto "Beatitudinem, do latim", escrito por Matheus Rocha em: http://www.neologismo.com.br/2015/03/beatitudinem-do-latim.html

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