sexta-feira, 28 de março de 2014

Uma carta de desamor


Me desculpe por ter tomado a iniciativa. Me desculpe por ter escrito. Me desculpe por ter ligado. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe por ter dito sim. Me desculpe por ter gemido. Me desculpe por ter gozado. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe pelos machucados que seu ex deixou em você. Me desculpe por eu ter vindo logo atrás dele. Me desculpe por querer entender seu silêncio. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe por eu não ter usado máscara. Me desculpe por desejar alguma intensidade. Me desculpe por desejar. Me desculpe por eu ter voz.
Me desculpe pelo que foi ruim. Me desculpe pelo que foi bom. Me desculpe pelo atrevimento de supor que eu merecia o que de bom aconteceu. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe por eu ter tirado a roupa. Me desculpe por eu ter mostrado meu corpo. Me desculpe por eu ter gostado de mostrar meu corpo. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe por eu ter escrito coisas lindas para você. Me desculpe por você não ter entendido um terço do que eu escrevi. Me desculpe por você ter me achado ousado demais. Me desculpe por eu ter voz.
Me desculpe por, em algum momento, eu ter te amado. Me desculpe por, em algum momento, eu ter te achado bonita. Me desculpe por, em algum momento, eu ter me achado bonito. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe pelos seus erros de português. Me desculpe pelos erros de português do seu novo namorado. Me desculpe pelo seu novo namorado achar margarida uma flor pobre. Me desculpe por eu ter voz. Me desculpe por você torcer para o Corinthians. Me desculpe se uma barata entrar na sua cozinha algum dia. Me desculpe pelos 130 km de congestionamento em São Paulo agora. Me desculpe por eu ter voz.
Mas, sobretudo, me desculpe por pedir essas ridículas, inúteis e dolorosas desculpas. Que, naturalmente, não são para você, afinal, porcos não reconhecem pérolas.
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Adaptação da Obra Original ''Uma carta de desamor'', de Stella Florence.

domingo, 16 de março de 2014

A carta que recebi dela

Você se esconde de mim e eu procuro. Procuro no meio das ruas, furando os carros, indo na direção contrária pra não ver o semáforo gritando em vermelho, pra não ter que parar e perder tempo parada sem procurar você por aí e olha, eu sinto muito, eu sinto mesmo quando disse que não vinha te ver hoje, sinto mais ainda por não ter visto sua roupa nova, por não ter escrito cartão, por não ter estado aqui.
Eu demorei pra chegar porque tava largada lá em casa, com medo e cerveja, repetindo pra mim no reflexo do vidro: ''ei, moça, você gosta dele, por que tanto medo de se entregar assim? Por que essa coisa de que você não precisa de ninguém quando claramente sofreria se ele fosse embora de vez?'', daí eu levantei, peguei a chave do carro, parei na porta e olha, quase não consegui abrir a maçaneta porque eu tremia. Engraçado isso porque eu me visto bem, com segurança, pra passar aquela ideia de que eu sou uma mulher em quem eles podem confiar, uma mulher que carrega o mundo nas costas e , ainda assim, me vi ali perdida, pequena, confusa, mas eu o amo, então fui em frente, porra!
Não consegui ligar o carro. Suei. Suei pra caralho e achei que fosse te perder porque eu sempre estrago tudo. Fiquei naquela de ligar ou não, liga logo, não ligo, ele vai descobrir as minhas manias feias e vai dar o fora, vai dar o pé, vai jogar os meus presentes no lixo e vai me matar dentro dele, vai chegar um dia e dizer que se apaixonou por uma outra mulher, uma cantora, isso, uma cantora, e contar que ela tem uma voz bonita e canta com violão pra ele, e eu vou me amargurar de tal forma, vou fingir que vou ficar bem, mas sei que vou morrer por dentro porque ele tá me matand...''e olha que besteira é essa de pensar assim? ele tá aqui agora e não no futuro, moça, vai logo atrás dele!''
E eu fui. Vim, na verdade, e cê já tinha ido embora.
Ô, meu bem, me espera e não vai, não. Me espera aí, parado num futuro-quase-concretizado, porque eu não quero usar teu nome numa frase no passado, porque eu não quero ter que explicar a burrada que eu fiz de não ter vindo te buscar logo. Larga essa mala na escada rolante e se perde no aeroporto com a sua roupa nova que cê queria tanto me mostrar, eu te grito, uso alto-falante, anuncio o teu nome no visor e te encontro antes de você ir, te impeço, por favor, meu bem, guenta mais um pouco que eu tô chegando. Faz aquela cara de bravo, mas me deixa te ver, deixa eu te fazer presente, me fazer presente, construir uma casinha pro teu cachorro e largar a cerveja e o medo um pouco de lado pra te beijar a testa e dizer que fico, eu fico pelo bem de todos e felicidade geral da minha vida, eu fico porque preciso olhar mais vezes pros seus olhos e cair pra dentro de você de manhã, me espera, vai. E é sobre o tempo que eu tanto prezo, sobre sempre estar na hora que eu erro, dessa vez eu me atrasei e não tem justificativa, mas sabe aquela coisa de que as coisas boas da vida sempre fogem do planejamento? Cê saiu de todas as linhas do meu Excel e eu tô indo atrás de você pra te buscar, pra te parar, espera eu passar por essa merda desse trânsito e me diz que fica, que aceita as minhas desculpas e que me aceita também.
Me espera, amor, que eu tô chegando pra te salvar do mundo.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma homenagem aos babacas que passaram por nossas vidas



Todo mundo já teve (ou vai ter) um babaca na sua vida. Os babacas (podem ser homens ou mulheres) são aquelas pessoas que estão mandando claras mensagens de que não estão nem aí para você e ainda assim você insiste. Você resiste. Você persiste.
O babaca é aquela pessoa que quando você cita o nome dela numa roda de amigos, todos eles fazem cara feia. Porque seus amigos te amam e querem seu bem. E o babaca não. O babaca é aquela pessoa que quando você finalmente consegue se livrar dele, quando, de fato, a existência dele não age mais como uma toxina no seu corpo, você não consegue acreditar que pôde se envolver com alguém assim.
Ainda assim, agradeça ao babaca por ele ter entrado (e saído! É importante que ele saia!) da sua vida.
Certamente o babaca fez você valorizar mais o amor. Fez você ver com clareza o que é ser bem tratada; o que é ser amada; o que é ser desejada por alguém. Não por ele, é lógico. Mas pelos outros que virão depois (ou os que vieram antes e você deixou passar).
O babaca faz você entender que amor correspondido não é uma coisa fácil. Não basta o papo ser legal e o sexo ser incrível. Amor correspondido não é uma flecha que num dia qualquer atinge seu babaca e ele percebe que te ama. Talvez ele tenha te amado. Talvez ele tenha tentado. Mas não é tão simples assim. Por isso quando você conhece aquela pessoa que te ama de verdade, você valoriza muito mais esse amor. Sem contar que o primeiro babaca da sua vida, aciona um radar para outros babacas. Agora você vai conseguir identifica-los com mais precisão e, assim espero, livrar-se deles na primeira oportunidade.
O babaca te prepara para os trancos e barrancos da vida amorosa. Ele dá uma ligeira endurecida naquele seu coração que antes parecia uma bola gigante de manteiga. Só não deixe que ele endureça demais. Vamos combinar que uma consistência de pudim é o ideal, tá?
Tudo o que você sofreu com o babaca, serviu para mostrar que você aguenta e ninguém morre de amor. E quando aquela pessoa legal aparecer na sua vida você vai estar mais madura, mais atenta e mais preparada para receber e retribuir todo esse amor. Por isso tudo que ele te ensinou, hoje agradeça ao seu babaca (mas agradeça mentalmente, não precisa mandar inbox e recomeçar o caso tóxico de vocês, por favor!).


Por Andréa Romão em: http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/03/06/agradeca-aos-babacas-que-passaram-pela-sua-vida/

domingo, 2 de março de 2014

Cine Pensamento




De vez em quando, em noites saudosistas, em horas nostálgicas, em dias chuvosos ou em momentos reflexivos, me permito assistir o nosso filme. Vou para aquele canto na memória assistir a uma sessão especial de cinema. Vou sozinho, escondido, como se fosse algo proibido.
Na tela, as projeções me fazem rir. As suas palhaçadas durante o almoço ou a expressão do seu rosto quando um filme te irritava me fazem gargalhar. Poderia dar replay nesses momentos sem parar. Saiba que, pra mim, eles são antológicos.
Mas, como todo filme, tem aquele instante em que algo dá errado e a gente fica a gritar conselhos aos protagonistas, como se fossem nos ouvir. E esse sou eu, berrando para mim mesmo e para você, mas ninguém me dá ouvidos. Quem me dera poder refazer esse roteiro.
Que revés, não? Agora, sendo o espectador dessa história, vejo cada falha. Cada detalhe que nos passou batido quando éramos os personagens da trama. Uma frase dita com entonação errada sem pedido de desculpas. Um olhar distante, sem o outro querer trazê-lo de volta. Uma ausência de diálogo. As falácias dos personagens coadjuvantes. Um abismo se formando, sem ninguém tentar impedir ou construir uma ponte que impedisse o afastamento brutal.
Esse é um daqueles longas com final surpreendente (e triste). Se estivesse acompanhado nesta sessão, com certeza veria olhares decepcionados e torcedores frustrados. É por isso que venho só para cá. Para não ter que lidar com perguntas difíceis e em tom indignado do tipo: “Mas por que eles não ficaram juntos?”. De indagações, já bastam as minhas.
Quando as luzes da sala acendem, anunciando o fim da exibição, saio e tranco a porta. Semana que vem, quem sabe, talvez eu volte. Ou no próximo mês. Ou até um novo filme entrar em cartaz. Mas, enquanto isso não acontece, “você e eu” ainda é o meu favorito.