segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Sobre despedidas






Olha, alguém me disse que você vai embora. Que vai mudar de cidade, de país, de planeta e vem se despedir. Senti um gelo na barriga. Uma vontade de sair correndo, sabe? Um ímpeto de desaparecer e voltar depois, mais tarde, quando você já tiver partido. Não por nada. É que eu não gosto de despedidas.
Não gosto, não. Não gosto mesmo desse negócio. Resisto a tudo. Jiló, muriçoca, bife duro, ar-condicionado quebrado, vizinho barulhento, internet lenta. Tudo! Menos despedida. Quem é que gosta? É, tem sempre um e outro que não se importam. Eu, não. Eu fujo, corro, me escondo. Assumo minha total e absoluta covardia. Eu sou um covarde de despedidas.
Cá entre nós, eu fico pensando que o mundo tem no mínimo dois tipos de pessoas de quem somos levados a nos despedir: aquelas cuja falta nos doerá e as outras, de quem queremos mesmo distância e não mais vê-las será um alívio. Em qualquer desses casos, o instante de se despedir é sempre difícil. De um lado, ver partir aqueles que amamos é uma coisa chata mesmo, aborrecida de nascença. Do outro, quanto àqueles que não queremos por perto, esses no fundo não merecem sequer um segundo de mesuras finais. Você, claro, é dessa gente difícil de ver partir.
Por isso eu prefiro não me despedir. Isso também acontece quando sou eu aquele que segue seu caminho pela vida. Não me despeço. Porque partir sem dizer adeus é a expressão mais honesta da minha vontade de, quem sabe, voltar! Eu troco fácil, fácil, o “adeus” pelo “até já”. Evitar a despedida é driblar o fim, guardar em nós o gosto bom do encontro e sonhar com a próxima vez.
Quer saber? Eu tenho a impressão de que não suporto esse negócio de adeus por um motivo muito simples: quando nos despedimos, nós morremos um pouco. Vamos embora com quem parte, guardamos conosco quem vai. Essas coisas de que tanto já se falou por aí. Uma despedida é um pedaço de morte, ela mesma, rindo da nossa cara, lembrando descaradamente que, olha, uma hora isso tudo vai acabar, hein! Tudo acaba como acabou a companhia do bom amigo que partiu, como o amor que esfriou, como a festa que findou na saída do último convidado. Então aproveita pra viver que a vida é agora!
Você sabe. Vira e mexe eu penso nas pessoas boas com quem caminhei por aí. De nenhuma delas eu me despedi. Ora porque não tive a chance mesmo, ora porque eu não quis. Umas eu encontrei de novo, de verdade, com abraço e tudo. Outras eu revejo sempre, reencontro-as, mas só quando penso nelas à noite, bêbado de sono e saudade. Essa noite eu vou pensar em você.
Verdade. Vou lembrar sua companhia como lembro das minhas avós no tempo em que ia com elas às procissões religiosas da infância. A gente achava bonito andar todo mundo assim, no meio da rua, no meio da noite. Os carros, as motos e ônibus, caminhões e peruas dormindo nas garagens e terrenos e cantos de calçada, os motores desligados, sonhando estradas tranquilas. O mundo se tornava apenas nós, transeuntes, pedestres tomados por uma fé tranquila, caminhando pé depois do outro na procissão. E era como se todos ali, desconhecidos uns dos outros, os rostos iluminados de velas calmas, nos tornássemos mais íntimos e melhores, mais irmãos, velhos amigos certos de que a vida era mesmo aquilo, um seguir em frente juntos.


Aí vinha o fim do cortejo, o Santo deixava o andor e voltava a seu lugar no altar da Igreja e cada família retornava à sua casa. Nós então seguíamos sem despedidas, e na manhã seguinte seríamos mais do que os mesmos estranhos de sempre.
Eu não me despedi de você e espero que você compreenda. A gente se vê na estrada. É assim a vida. Cheia de idas e vindas. Mal dizemos um “adeus” e o “olá” seguinte se precipita. A vida nos sacode pra cá e pra lá como passageiros de um ônibus sem bancos, descendo uma ladeira esburacada e cheia de curvas, conduzido por um motorista rebelde. De quando em vez, um de nós salta e toma outro rumo.
Dessa vez foi você. Eu sigo aqui, torcendo, feliz por alguém que fez de mim um ser humano diferente, nem melhor e nem pior. Mesmo sem me despedir. Você sabe. Despedir-se é morrer um pouco. E contra isso o melhor remédio é viver. Seguir em frente.
Lá vem você abraçar os que ficam. Eu vou sair de fininho. Vou ali comer um jiló, um bife duro, ser picado por uma muriçoca, desligar o ar-condicionado, dar um alô ao vizinho barulhento. E já volto, depois que você tiver partido. Deixe um abraço para mim e vamos à vida. É nela que a gente se encontra. A gente se encontra na vida.

Por André J. Gomes em: http://www.revistabula.com/3398-despedir-se-e-morrer-um-pouco-vamos-viver/


domingo, 21 de dezembro de 2014

Sobre o poder das palavras


 Sabe, algo que eu prezo muito é a palavra. Sim, a palavra, o verbo, o adjetivo usado, a oração formada, a afirmativa feita. Palavras têm um poder imenso. Elas podem expressar um sentimento, uma descoberta (à la Arquimedes e sua “Eureka!”), podem derrubar torres gêmeas, podem explodir bombas atômicas.
Mas, a meu ver, as palavras precisam ser acompanhadas por ações (e aqui uso toda a licença poética possível). De que adianta falar algo se não é possível praticar o que foi falado? O que quero dizer, senhores e senhoras, é que vejo por aí muitas pessoas que não medem suas palavras, nem tampouco medem as conseqüências de tais palavras nas vidas dos ouvintes/leitores/receptores. Daí a pessoa diz “eu não faria isso” e vai lá e faz. Diz “eu nunca seria assim” e depois recusa-se a olhar no espelho. Diz “vamos aproveitar nosso tempo juntos” e pula da barca na semana seguinte. Diz “nunca te deixarei” e deixa. Diz “sempre te amarei” e pouco tempo depois nem reconhece o outro quando se encontram na rua. Diz “serei fiel” e trai. Acabam sendo “palavras, apenas palavras ao vento”, como diria a poetisa. E o resultado disso, quem vê? Quem sente? Quem arca com as conseqüências das próprias palavras?
É importante, antes de falar algo, antes de prometer, antes de afirmar, antes de projetar algo futuro através de palavras, medir as conseqüências, fazer um cálculo juntando os fatores razão, sentimento e tempo, ou, simplesmente Pensar. Mais que isso, é extremamente importante saber que existe alguém que sofre com essas conseqüências, alguém que acreditou nas palavras que foram ditas, que levou a sério, que confiou no que foi dito. Palavras não têm valor quando as ações não condizem com a ideia que foi passada. Pessoas, por favor, sejam mais honestas. Sejam fiéis ao que falam, não sabem o quão honrado isso é.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Um dia fui ventania.


Eu vejo você e ele atravessando a rua juntos. Eu, de dentro do carro, com a cabeça escorada no banco de carona, peço que o motorista siga. Você, com ele, também segue.
Vejo as coisas que ele deve te dizer e me pergunto qual foi o momento em que eu disse algo de errado, ou se foi a maneira como eu me apresentei. Não foi num café, nem numa festa badalada , nem um esbarrão do lado esquerdo da escada rolante do shopping. Eu nem disse "prazer", nem nada, porque não sabia como seria. Se soubesse, teria dito que seria dor, mas só passei a achar isso quando te vi com ele.
Você e ele sorriem de um jeito que repuxa os lábios e faz a testa enrugar, acho que de um jeito que nunca foi comigo. Você também parece mais jovem, mentira, é a impressão que todo mundo tem quando o outro tá melhor. Mentira de novo, eu não penso nessas coisas, porque eu sinto tanto que bate uma angústia, você já sentiu como se algo te repuxasse o peito em vez do sorriso? Eu deveria estar feliz por você. Não, por que eu estaria? Enquanto você sorri e entrelaça as mãos com ele, eu lembro que não sou mais eu quem te segura. E o teu peito já não é mais porto seguro.
Eu vejo o jeito como ele te olha e nem é muito diferente do meu. Talvez ele tenha um ou dois tiques nervosos que o faz soltar piscadelas rápidas, como se fossem espasmos, mas eu não consigo achar o charme disso. Não consigo entender as coisas que ele tem e eu não tenho porque eu ainda me acho, aqui de baixo, melhor que ele. Ele não vai passar 12 horas numa fila pra comprar seu livro preferido e autografar com o chato do autor só pra te fazer surpresa numa quinta de manhã, nem vai deixar de ir trabalhar pra cuidar da tua febre numa semana em que o chefe tinha ameaçado mandá-lo embora. Ele não vai cozinhar pra você. Nem vai te dar tantas noites de amor e sexo como eu daria. Ele não vai fazer as mesmas coisas que eu, e nem eu vou fazer mais. Talvez seja essa a parte que eu mais odeio, a parte que realmente dói: quando cai a ficha de que ele não sou eu.
Você e ele comem juntos? Porque eu fico imaginando a sua rotina com ele enquanto eu abro mais uma cerveja na balada. Eu te juro, eu te vejo com ele em todo o canto pra onde vou, morro de medo de esbarrar com vocês por aí e ter que fingir que tá tudo certo, que tá tudo bem. Morro de medo de abrir meu Facebook um dia e encontrar alguma coisa que eu não queira saber, data de casamento ou noivado, sei lá. Eu não quero te ver (com ele).
Não vou entender, ninguém entende quando um amor que era nosso passa a ser de outra pessoa assim, do nada. Como se um dia você acordasse e me dissesse “querido, foi bom enquanto durou e durou enquanto tava sendo bom, mas acabou” com a voz do Projota ecoando um rap descolado pro mesmo papo velho de sempre. Será que você sofreu com a troca ou pensou demais antes de me deixar? Será que você cogitou esperar um pouco e tentar outra vez antes de encontrar nele alguma coisa que eu não tenho? Eu me pergunto, pergunto pros seus amigos e pros meus, eu jogo búzios e tarot, até voltei a acreditar em astrologia. Teu signo sou eu, meu bem.
Por enquanto só a previsão do tempo responde: depois da tempestade que você me causou, todos os outros são garoa. Ele é chuva nova, molhada, saudável, de beijo de novela. Hoje eu passo por você e espero que você lembre que um dia eu fui ventania.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Sobre o "Quase"


Foi quase gol. O que não o impediu de chorar pelo time, rebaixado, desmoralizado e humilhado mais uma vez.
Debruçara-se à janela quase a tempo. Mas perdeu a mais intensa chuva de estrelas cadentes dos últimos vinte anos.
Tirara quase sete. E ainda assim, teve que trocar o videogame por boas horas de estudo para a prova de recuperação.
Chegou quase às dezesseis. O que impossibilitou que tomasse o ônibus das quinze e cinquenta e quatro.
Juntou quase um bilhão de reais. O que não foi suficiente para que fizesse parte da lista dos mais ricos do mundo pela Forbes.
Ganhara quase sete quilos. Mas ainda assim, não era gordo o suficiente para entrar na fila da cirurgia bariátrica pelo SUS.
Quase fora diagnosticado com dengue. O que não foi suficiente para que pegasse duas semaninhas de atestado médico.
Quase fora promovido. Porém, como continuara sendo estagiário, não teve condições de pagar a viagem dos sonhos para o pai em estado terminal.
Há algo mais nocivo do que um quase? Do que uma quase conquista? Do que uma quase certeza? Do que um quase amor? Viver na iminência é ter um pé na beira do abismo e não poder se jogar ao mar. É ver o trio elétrico e não poder correr atrás por causa da perna engessada. É esticar os braços para fora da janela e perceber que o trem é tão veloz que sequer os dedos se tocaram. Porque sempre que a gente quase, a gente não foi. Sempre que a gente quase, a gente não é. Sempre que a gente quase, a gente não será.
Pela primeira vez na vida, quase gozara. Mas morreu sem saber o que é ter um orgasmo.






Por Bruna Grotti em: http://www.entendaoshomens.com.br/a-tristeza-de-um-quase/