segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Um dia fui ventania.


Eu vejo você e ele atravessando a rua juntos. Eu, de dentro do carro, com a cabeça escorada no banco de carona, peço que o motorista siga. Você, com ele, também segue.
Vejo as coisas que ele deve te dizer e me pergunto qual foi o momento em que eu disse algo de errado, ou se foi a maneira como eu me apresentei. Não foi num café, nem numa festa badalada , nem um esbarrão do lado esquerdo da escada rolante do shopping. Eu nem disse "prazer", nem nada, porque não sabia como seria. Se soubesse, teria dito que seria dor, mas só passei a achar isso quando te vi com ele.
Você e ele sorriem de um jeito que repuxa os lábios e faz a testa enrugar, acho que de um jeito que nunca foi comigo. Você também parece mais jovem, mentira, é a impressão que todo mundo tem quando o outro tá melhor. Mentira de novo, eu não penso nessas coisas, porque eu sinto tanto que bate uma angústia, você já sentiu como se algo te repuxasse o peito em vez do sorriso? Eu deveria estar feliz por você. Não, por que eu estaria? Enquanto você sorri e entrelaça as mãos com ele, eu lembro que não sou mais eu quem te segura. E o teu peito já não é mais porto seguro.
Eu vejo o jeito como ele te olha e nem é muito diferente do meu. Talvez ele tenha um ou dois tiques nervosos que o faz soltar piscadelas rápidas, como se fossem espasmos, mas eu não consigo achar o charme disso. Não consigo entender as coisas que ele tem e eu não tenho porque eu ainda me acho, aqui de baixo, melhor que ele. Ele não vai passar 12 horas numa fila pra comprar seu livro preferido e autografar com o chato do autor só pra te fazer surpresa numa quinta de manhã, nem vai deixar de ir trabalhar pra cuidar da tua febre numa semana em que o chefe tinha ameaçado mandá-lo embora. Ele não vai cozinhar pra você. Nem vai te dar tantas noites de amor e sexo como eu daria. Ele não vai fazer as mesmas coisas que eu, e nem eu vou fazer mais. Talvez seja essa a parte que eu mais odeio, a parte que realmente dói: quando cai a ficha de que ele não sou eu.
Você e ele comem juntos? Porque eu fico imaginando a sua rotina com ele enquanto eu abro mais uma cerveja na balada. Eu te juro, eu te vejo com ele em todo o canto pra onde vou, morro de medo de esbarrar com vocês por aí e ter que fingir que tá tudo certo, que tá tudo bem. Morro de medo de abrir meu Facebook um dia e encontrar alguma coisa que eu não queira saber, data de casamento ou noivado, sei lá. Eu não quero te ver (com ele).
Não vou entender, ninguém entende quando um amor que era nosso passa a ser de outra pessoa assim, do nada. Como se um dia você acordasse e me dissesse “querido, foi bom enquanto durou e durou enquanto tava sendo bom, mas acabou” com a voz do Projota ecoando um rap descolado pro mesmo papo velho de sempre. Será que você sofreu com a troca ou pensou demais antes de me deixar? Será que você cogitou esperar um pouco e tentar outra vez antes de encontrar nele alguma coisa que eu não tenho? Eu me pergunto, pergunto pros seus amigos e pros meus, eu jogo búzios e tarot, até voltei a acreditar em astrologia. Teu signo sou eu, meu bem.
Por enquanto só a previsão do tempo responde: depois da tempestade que você me causou, todos os outros são garoa. Ele é chuva nova, molhada, saudável, de beijo de novela. Hoje eu passo por você e espero que você lembre que um dia eu fui ventania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário