sexta-feira, 7 de junho de 2013

Feito tatuagem.


No dia em que você chegou eu não botei o lixo pra fora, não varri nada pra baixo do tapete e nem escondi as fotos feias. Não fechei o laptop com todas as abas abertas, não sumi com a pilha de louça na cozinha nem com as minhas camisas separadas por cor. A minha parte feia tava confortável com você e tirou a vassoura de trás da porta, foi gentil e nem se incomodou com o que você ia achar da minha bagunça. ''Quer um café ou vai ficar aqui mesmo se eu disser que eu não sei se tem açúcar? Juro ser doce de qualquer jeito''. Eu te fiz sala enquanto a gente redecorava as paredes sem saber, pintando umas histórias que não sairiam nunca mais dali, do silêncio de uma avenida movimentada, da pressa de uma estátua de mesa, do som alto dos nossos pensamentos compartilhados entre algumas paredes.


Não fez frio nesse dia. O aquecedor tinha dado problemas e você me fez segunda pele pra aquecer os pés. Teve luz acesa e não teve vergonha nenhuma ou medo de rejeição. A gente viu o traço, a silhueta, a dobra dos joelhos, o cabelo desarrumado, as cenas improvisadas, nada posadas de uns retratos que eram quem a gente era mesmo. E nesse dia eu me senti bonito, você se sentiu bonita e era do jeito que tinha que ser. Não li mais livro e não marquei página pra não querer voltar atrás, tirei o telefone do gancho e nem percebi, mas já tava offline desde que você chegou. Eu não usei o carro naquele dia já que não queria poluir o mundo. Não queria acelerar a perda daquilo tudo, não queria deixar escapar pelas mãos a sensação que queimava a garganta pés panturrilhas palma da mão e me fazia suar quando os graus eram negativos. Revisitei as minhas gavetas e vesti uma roupa de ginástica velha que tinha cheiro de mofo só pra correr por aí e sentir que eu ainda tinha músculos, articulações, cãibras, tendões, movimentos. Descobri que em casa eu falo alto e que os vizinhos ficam preocupados quando eu fico em silêncio. Fiquei encarando você e todas as veias e poros e pele do seu rosto de perto e vendo tudo humano como a gente era. No dia em que você chegou eu passei uma meia hora olhando e tocando nos seus braços e repuxando a carne e falando palavras feias, longas, difíceis, enroladas, gaguejando que até ficou bonito pra contar depois sobre o riso que você deu porque eu não acreditava que tu era real.


Abracei como nunca abraçava. Beijei como nunca tinha beijado. Chorei como se tivesse perdido a vergonha do mundo e deixei eles me verem assim, com o nariz escorrendo, os olhos escorrendo, a boca escorrendo, toda essa felicidade escorrendo de dentro de mim e me banhando, e você ali num riso que nem ligava pra toda essa coisa feia que eu tava te mostrando. Sonhei como nunca tinha sonhado, sem travesseiro, sem cama, sem sono nenhum porque não dava tempo de dormir e eu tinha receio de acordar e perceber que era o efeito dos remédios que eu andava tomando ou das noites mal dormidas por causa da universidade. Amei como nunca tinha amado e não podia deixar aquilo sair de mim porque me deixava sem fôlego, exausto, com a sensação de que tudo podia cair a qualquer hora e você ali com um riso que me causava arrepios e uma dorzinha gostosa na barriga . E você me abraçava abraçando, me beijava beijando, jurava ficar, e foi ficando. No dia em que você chegou, chegou e ficou impregnada na cortina, nas paredes, na decoração, no quarto, na pilha de louça suja da cozinha, nos remédios, nas camisas arrumadas pela cor, Em mim. Chegou e ficou grudada, marcada, colada, fechada na pele pra sempre feito tatuagem.

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