Eu podia, você sabe. Podia falar horrores de você e dizer que você me magoou e dizer que doeu e dizer que ninguém devia acreditar nas coisas que você diz. Eu podia contar daquele jantar de quarta em que você abraçou e jurou e foi quem eu sempre achei que fosse. Pior, eu podia expor quem você foi quando se esqueceu de tudo e enfiou o dedo na ferida, como se tanta coisa tivesse ficado presa e você precisasse magoar qualquer um, qualquer um, pra doer menos aí dentro. Eu podia dizer como você me tratou como qualquer um.
Eu podia falar mal e apontar os seus defeitos e dizer das mentiras que você conta numa tentativa frustrada de ser logo a pessoa que você queria ser. Eu podia contar daquela vez em que você desviou os olhos e fingiu que não era com você, ainda que você soubesse que era e ainda que soubesse bem da culpa que tinha. Eu podia jogar na cara todas as suas palavras vazias de quem tem muito o que falar – e fala muito – mas no fundo não diz nada além de: eu não tenho ideia do que tô falando. Eu podia falar sobre o tanto que eu apostei em você – e sobre o preço que tô pagando por essa aposta.
Eu podia te contar de como minha mãe ainda pergunta por você e quer sempre saber se você tá bem, se tá com saúde, por que não vem mais aqui em casa. Eu podia revelar que ela sempre me culpa pelo nosso fim, porque é isso o que vocês mais gostam de fazer: achar que quem erra sou sempre eu. Eu podia, realmente, te perdoar por tudo e esquecer qualquer coisa e achar que a gente conseguiria começar tudo de novo. Mas eu sei e você sabe que não é exatamente isso o que você quer.
Eu podia continuar gritando e continuar escrevendo e continuar falando para todo mundo sobre tudo o que aconteceu e me irritando porque você sequer deu a chance da gente tentar consertar. Eu podia continuar mastigando essas dores e remoendo esse passado e me questionando por que a gente acaba magoando e sendo magoado por quem a gente ama. Eu podia espalhar por aí sobre a pessoa horrível que você foi e como todos deveriam se manter afastados.
Eu podia, você sabe. Mas sabe também que o tempo passou e que, com o tempo, um pouco de maturidade é acrescentado à soma. Sabe também que eu não tenho mais saúde, nem tempo, nem disposição, nem energia para ser o menino besta que adorava uma boa briga como eu era até outro dia. Sabe também que eu aprendi algumas coisas ao longo do caminho, inclusive com você.
Por isso, de todas as coisas que eu podia te falar, falo isso: enquanto deu, você foi tudo o que eu achei que era. Enquanto deu, você me aguentou e segurou as pontas e ouviu minhas dúvidas sobre o mundo e o universo e a merda toda que a gente tá fazendo aqui. Enquanto deu, você foi – e de todas as coisas que eu quero lembrar, lembro disso: de todo o amor que você me deu e eu tentei devolver no tempo em que fiquei na sua vida. Porque o resto, o resto é só a vida sendo a vida e os defeitos sendo os nossos defeitos e polos iguais se repelindo. É só isso, sem mais conversas, sem mais reclamações, sem mais nada.
Porque eu podia, te juro, podia. Mas já não posso. Já não dá.
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