Foi se esconder dele. Deu uma volta pelo mundo, conheceu mais do que queria e muito menos do que devia. Pegou sereno numas noites parisienses e torrou em temperaturas descomunais nas praias da Nova Zelândia, ambas as situações agravaram a alergia dela. Ficou de cama. Leu alguns livros. Aprendeu a falar chinês e fez um retiro de alguns meses. Ficou mais leve e bordou nomes inteiros em toalhas durante sua estadia em casa de campo. Correu sem camisa na chuva e foi repreendida. Nadou nua num lago qualquer e foi admirada secretamente por estrangeiros que não falavam a sua língua. Provou línguas que não eram as que tinha provado de costume. Se encantou com sabores – da culinária e do suor salgado de outros caras. Beijou algumas mulheres e descobriu que os toques femininos possuem uma maciez sem igual. Se espantou com o primeiro orgasmo dado por mãos gentis e menores que as suas. Pulou carnaval fora de época e resolveu tirar a fantasia pra viver quem era de verdade. Pintou o nariz de palhaço e outros o pintaram para ela sem que tivesse pedido. Andou em cordas bambas. Se desequilibrou tantas vezes e em outras tantas foi chamada de louca mesmo que tivesse conseguido se manter em pé. Cavou buracos, algumas covas e enterrou fantasmas. Chamou seus demônios interiores prum papo num café. Acabou levando alguns deles pra cama e outros pra ver um filme no sofá por falta de companhia.
Lembrou que tinha medo do escuro e quis ligar pra ele.
Acordou com a água batendo no nariz e sufocou. Aprendeu a nadar e pensou ter encontrado algum tesouro no fundo do mar só pra justificar a aventura dessa vez. Secou os cabelos quando saiu do banho e largou a toalha molhada em cima da cama. Gostava da desordem dele. Calçou os dois pés errados e descobriu que ser bobo tem seu lado bom e ruim nessa vida. Jogou algumas roupas fora depois de uns dias de corrida. Parou de encolher a barriga e conheceu a família de alguns homens bons. Não parou com nenhum deles porque nenhum deles a fazia parar. Continuou correndo. Dessa vez, não sabia pra onde. Girava o mundo e o mundo parecia fazê-la parar sempre no mesmo ponto de partida. Renovou o visto e podia ter ficado em qualquer lugar do mundo que quisesse.
Do bigode sujo e da tampa levantada. Dos assuntos monótonos e da inteligência recatada. Da barriguinha conservada de chope e do jeito que a carregava no carona da bicicleta. Da negação dele em usar carros pra salvar o meio ambiente. Gostava até dos defeitos que a fizeram ir embora e bater a porta e atravessar a rua e desligar o telefone e pegar um carro e cair no mundo e se encantar com fotografias e dar um adeus sem despedida. Gostava mais dele do que das reticências que tinha estipulado pra sua vida. Fugia porque gostava dele e de todas as coisas que havia sobre ele. E em cada lugar que ia, guardava um pouco do que ela tinha sido pra não se esquecer de quem ele era. E conseguiu esquecer-se dele. Quando se deu conta disso, entendeu o porquê de fugir tanto assim.
Ele a amava. E ela, depois de conhecer o mundo e ver de tudo e de todos, sabia que faltava algo nela. Era ele. Mas ela decidiu deixar pra lá, como fazia em todos os fins de tarde. Mesmo que isso arrancasse dela um pedaço seu todos os dias, preferiu ser ''racional'', vestiu a armadura do orgulho e seguiu sua viagem pelo mundo.
Para quem não sabe: Em tudo, tudo, tem que haver equilíbrio. Até o bem e o mal devem existir na mesma medida.
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