sábado, 30 de março de 2013

Querido Ruy,



Ela não diz e se afoga na saliva embaralhada de letrinhas que desce pela garganta. Ela não diz e tem azia porque o estômago queima com cada frase que gostaria de ter cuspido (em você) pra evitar a acidez. Ela não diz e você continua caminhando ao lado dela, como se o mundo fosse perfeito e como se ela não se destruísse por dentro, não se abalasse com as formas erradas com que as coisas vão indo e escondesse tudo num resumo mal feito e mal simbolizado quando diz que tá tudo bem.
Ela não fala pra você, mas ela sente. E não sabe que tem culpa das coisas continuarem as mesmas justamente porque não diz e não diz porque tem medo de mudar demais as coisas. Paradoxo indesejado. Não foi o que pediu no menu de entrada. Dá o jeito e limpa o que quase escapa da boca dela com o guardanapo. Se entope de alguma bebida ou de alguma desculpa pra não deixar sair de novo. Você nem desconfia e talvez seja disso que ela esteja morrendo internamente: da sua falta de desconfiança dos sinais dela. Da falta de percepção milimétrica de quem confessa com as olheiras que tem chorado, de quem repuxa os lábios num sorriso mecânico como quem diz que é fachada, mas você não acha que é. Ela vai bem, obrigada, mas não vai coisíssima nenhuma. Ela fica e vai ficando chateada, magoada, doída por dentro, ainda que você a chame de doida pelos surtos neuróticos do nada – só é do nada pra você. Pra ela a coisa tem história, registro e motivos suficientes pra dar voz ao silêncio. Mas ela não fala.
Ela não grita e não olha mais nos seus olhos pra segurar o forte desejo de despejo esganiçado que arranha as cordas e arranha o peito e arranha esse amor bonito que vocês poderiam ter caso ela dissesse. Vive num futuro-mais-que-perfeito-que-nunca-vem sentindo a sua ausência prazerosamente presente que desdenha dela porque não sabe. Você não sabe e ela não diz. Não te conta das coisas que ela escreve sobre você num velho moleskine-diário-agenda-papel-de-pão onde faz de conta que as coisas acontecem e lá ela diz, te diz, me diz, grita e não se esganiça berrando que é tão evidente que nem precisaria rabiscar indiretas, desejar boa noite repetidas vezes a você sem letra ou melodia do Skank cantando em neon que a sorte te sorri e você não sorri de volta. Não te diz e eu aposto, aposto contigo hoje ou amanhã, aposto que um dia ela ainda decreta a própria alforria e põe a boca no trombone-alto-falante-teu-ouvido e cochicha baixinho todas as coisas que ela não diz e que você nunca quis ver.
Ou talvez ela se cale pra sempre e cultive o silêncio. Firme, forte e piedosamente bela num suplício sentimental que ecoa pelo restaurante, pelos jantares que tem com você, pelo mesmo pedido de sempre no cardápio em que nunca intervém na sua escolha. E convenha ao silêncio calmo e educadamente bonito como convém à etiqueta (motivada por tudo o que tinha a dizer e não lhe disse).

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