Sem avistar você no panorama ótico do meu campo de visão as coisas
são menos finitas. Os espaços se preenchem de entendimentos que eu não
posso ignorar. É você ali e isso transforma os meus graus de miopia num
blur seletivo: eu não consigo enxergar nada que esteja a sua volta. Com
você no centro ou nos cantos da minha armação. Você deixa a minha visão
turva e faz com que eu desmanche a postura previsível de segurança
forjada. É que você me invade num contexto que só eu compreendo. É que
você me desarma e, talvez, nem faça isso por querer. Só por acaso mesmo.
Pior pra mim. Se eu não ouvir o que você diz, eu faço
melhor. Como se cada palavra sua fosse um guia mal informado de todas as
coisas que eu deveria evitar, mas não consigo. Cada fonema sendo ditado
de um jeito irregular que me deixa extasiado e eu não consigo pensar
direito quando o fundo de cena é a tua voz. Seja aqui ou do outro lado
da linha, eu tento me redimir internamente e me desculpar pelas vezes em
que me distraio em você. Nas suas ondas sonoras que me confortam bem
mais que algum mar de águas claras do litoral. É que a vibração do seu
tom me desestabiliza. E o volume me desperta num sobressalto. São mais
decibéis do que eu posso suportar. Em quantos Hertz bate a sua
frequência? Ah, deixa pra lá. Nem o meu isolamento acústico consegue me
proteger de você.
Sem você, os meus abraços são menos vazios. Eu descanso a cabeça com
alguma paz despreocupada e sem aperto nenhum no peito. Não tem agonia e
eu não preciso me apresentar para ninguém que se entrelace nos seus
dedos. Não tem ciúmes para me corroer por dentro, em silêncio, no
escuro, enquanto toca alguma música alta e a minha companhia é uma taça.
Não tem olhos nos olhos – os seus com os de outro alguém – me
perturbando ao longe enquanto eu me pergunto que diabos eu faço ali. Eu
posso ser mais gentil com você mesmo se você não estiver por perto.
Deixo a irritação que me abate por ter você por perto sem nunca ter e me
deixo deixar de ser. Deixo estar tudo bem. Porque com você eu sou
sozinho, ainda que eu adore a sua companhia nitidamente afastada. E a culpa é minha, que me apaixonei perdidamente e me afobei, não raciocinei e cometi tantos erros que você só conhece meu lado amigo, meu lado bobo, meu lado comediante e Nunca vai mudar a visão que tem de mim, nunca vai conhecer meu lado Homem, meu lado sedutor, meu lado maduro.
As coisas iam bem sem você. A paleta de cores das minhas escalas eram
as mesmas e as minhas convicções mundanas continuavam firmes e fortes. A
minha atmosfera era inofensiva, mas você tinha que me fazer colidir com
alguma parte de você e desestabilizar o meu alinhamento. Faltou
oxigênio. E a gravidade da situação era alta demais pra chegar perto de
zero. Mesmo assim, eu flutuei. Fiquei sem os dois pés no chão e acho bem
que você nunca reparou nisso. Sem você eu faria o mesmo movimento
cotidiano de rotação sem me importar em virar de costas e esbarrar por
acaso nos seus motivos. Eu acendi uma vela pra Deus e outra pro Diabo,
vivendo num paraíso infernal que é a sua presença faltosa.
Despretensiosamente provocante. Insistentemente desleixada. Cheia de
''deixa pra lá, mas vem aqui''.
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