Minha tia de segundo grau vai perguntar se você foi viajar porque a gravata não combinou com a blusa de baixo. Vai reparar nas mangas curtas e na calça desfiada na bainha. Vai perguntar "tá tudo bem, meu filho?". Mas nunca tá. Nunca tá, mas eu não mostro.
O porteiro do Márcio vai me perguntar se eu esqueci a garrafa em casa e se mudei de carro quando eu chegar só com as fichas de pôquer e de táxi. Hoje eu não bebo, Seu Mário, o táxi é só precaução pra eu não errar o caminho de casa. Ou pra não pegar meu carro e ir até você.
Vão perguntar da gente nos lugares que a gente foi e nos lugares novos que eu nunca vou poder te levar. Vão analisar os detalhes e vão notar que hoje não tem bolsa em cima da mesa, só debaixo dos olhos. ''Mesa pra dois, senhor?''. ''Não, ela não vem, ela já foi''. Foi, mas continua me acompanhando por aí quando perguntam sobre você. Vão me perguntar o que deu errado e eu não vou saber responder, vou engolir a seco, vou omitir a resposta e chorar por dentro. Porque pra mim deu tudo certo, todo tempo, era amor.
Lá em casa já perguntaram de você. Os quadros e a cortina que eu odeio, a quina do armário que eu quebrei num dia desses que voltei bêbado, o livro do Kundera na estante mais baixa que era tua. Todos os cantos perguntam gentilmente de dia. De noite eles gritam por você. Até quando eu durmo um lado da cama sussurra no meu ouvido. O telefone berra, meu amor, você não sabe como berra. E berra ainda mais aqui dentro porque eu palpito, eu tremo, eu já fui do Rivotril à homeopatia pra não surtar quando o telefone toca. E desligo no primeiro ''alô'' quando não é você.
Eles me perguntam, vão me perguntar muito ainda, sempre sobre você. E nenhum deles, nem o Henrique, nem o Seu Mário, nem a Tia ou o taxista. Nenhum deles pergunta de mim. Perguntam sobre você e me exigem resposta com olhos tenros e tristes, todos eles abaixam a cabeça. Eu continuo ali, firme, fraco, desesperado e chorando por dentro. Esperando que um dia não perguntem demais, não perguntem mais, que a gente suma e que eu possa dizer que você foi embora. E que eu, eu não vou bem, mas um dia irei. Um dia eu irei também.
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