domingo, 20 de maio de 2018

O que fazer com a saudade?


Absolutamente nada.
Ela irá entrar pela porta da frente, sem convite. Sentar no seu sofá, vestindo suas roupas e com o controle da tevê nas mãos. E, em pouco tempo, será tão familiar que ficará até difícil pedir que se retire. Então você irá observá-la, petulante, enquanto ela cresce bem diante dos seus olhos, como um grande pão sendo fermentado, mesmo que você se recuse a alimentá-la. Saudade se retroalimenta, é autossuficiente como você gostaria de ser.
A saudade é ousada e indiferente, não se importa se você é um péssimo anfitrião, se não oferece um café, se não dispõe um travesseiro para os pés, se tenta – inutilmente – ignorar sua presença. De alguma forma inexplicável, a saudade sabe que você não pode com ela. Você também sabe. E vai deixando ela ficar enquanto torce para que o estrago não seja grande. E ela vai se espalhando pelas paredes, pelos móveis, em todos os cômodos, pelas tubulações de ar, deita na sua cama, toma conta de tudo...
Sufocante, ela te olha bem nos olhos, de forma profunda e penetrante, de forma a não te deixar esconder nada. Nesse momento preciso, vulnerável, você pede que ela se retire. Ela se recusa e se encosta em seu ombro. Você consegue sentir o cheiro dela, um nostálgico perfume de dias felizes, e sabe que precisa fazer algo a respeito, pois não quer chorar. E a saudade tenta te convencer a chorar, porque só então ela poderá te abraçar sem pedir permissão.
Você sabe que essa maldita inescrupulosa conseguiu exatamente o que queria: adormecer em seus braços, de forma pesada, penosa. A saudade sabe que venceu e você tenta enganar a si mesmo diante do espelho dizendo que um novo dia virá e que ela partirá, quem sabe para a casa de alguém que perdeu um familiar ou um ente querido, ou alguém que está longe da pessoa amada, ou uma criança qualquer que perdeu seu brinquedo favorito...
A saudade é onipresente. No dia seguinte você irá acordar e ela estará lá, deitado ao seu lado, e, antes de despertar totalmente, você sentirá suas mãos sujas apertarem seu peito e você berrará de dor – em silêncio – porque, como todos sabemos, a saudade é surda.

#REPOST (POSTAGEM ORIGINAL EM: http://northonferreira.blogspot.com.br/2014/01/o-que-fazer-com-saudade.html)





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