Quando alguém descobre que sou estudante de psicologia surge um certo receio (que acho compreensível) quase como se eu tivesse um poder paranormal de ler mentes [imagina só quando eu for um psicólogo de verdade (se eu chegar a ser)]. Depois que as pessoas se sentem confortáveis e percebem que não vou ficar fazendo análise a cada espirro tudo alivia, mas então surge um tipo de questionamento que acho curioso: você acha que o meu problema tem ligação com o que aconteceu em minha infância? Devo descobrir o que aconteceu no meu passado para melhorar?
Acho que essa questão é muito delicada. Quase se popularizou a ideia de que tudo está explicado, encerrado e aprisionado na infância. Acho que levaram muito à sério a frase ''Freud explica''.
A ideia de que até os 10 anos de idade todo o destino de uma pessoa está determinado por acontecimentos agradáveis ou traumáticos vem sendo disseminada há pelo menos 100 anos nos círculos psicológicos e médicos. O cérebro e a personalidade estariam moldados por fatores puramente orgânicos e familiares e explicariam qualquer comportamento admirável ou anômalo de toda pessoa. Se ela é agressiva é porque teve um pai violento, se é mimada porque teve pais super protetores, se é grudenta teve uma mãe fria, se está acima do peso teve pais permissivos. Precisamos diferenciar duas coisas: origem e causa.
Origem é onde um comportamento surgiu pela primeira vez. Causa é quando um evento cria outro. A origem de muitos comportamentos pode ter sido na infância porque tiveram a primeira aparição por influência de pais, mestres, amigos e inimigos. Como um condicionamento adquirido, copiamos hábitos destrutivos ou reagimos mal à certas circunstâncias e nos distanciamos da bondade fundamental que cada um carrega dentro de si. No entanto, a causa para esses comportamentos está no exato momento presente, aqui-e-agora, nem mais nem menos. O motor de cada ação está no próprio momento da ação, nem antes e nem depois. A cada minuto decidimos se queremos ceder aos condicionamentos ou se resistimos a eles. Alguns condicionamentos podem ser tão poderosos que soam como mãos invisíveis direcionando nossas ações para aquele ato egocêntrico e maldoso, mas ainda assim somos livres para não praticarmos uma ação e favor de outra melhor.
Seu pai bateu em você a ponto de espancamento? Pena para ele, mas pior para você se continuar justificando sua grosseria e temperamento impulsivo nas ações do seu pai. O que costuma acontecer é que nos identificamos tão fortemente ao comportamento do passado de nossos pais que simplesmente reproduzimos uma versão tão ou mais doentia do que eles fizeram. Alguns tentam ser diferentes, mas são tão radicais que acabam sendo a versão chata e oposta aos pais. Justificar comportamentos abusivos em relacionamentos amorosos atuais por conta de ter sofrido no passado segue na mesma linha. Se você não sabe diferenciar o jornaleiro grosseiro que te maltratou de manhã da vendedora de flores da hora do almoço você tem um grave problema de pasteurização mental. Será que basta ser homem para você agir do mesmo jeito com todos?
“Fiquei machucada com meu ex e agora acho que todos os homens são iguais e trato todos eles com frieza”. Desculpa, vamos corrigir o raciocínio: o passado não pode se impor à sua vontade e criar um comportamento tóxico desses. Ele localiza quando ao começou, mas a cada novo minuto quem decide como tratar alguém é você e não seu ex-qualquer-coisa. Se você seguir por esse raciocínio do trauma tudo está justificado, explicado e aceito. Depois de alguns anos em que a direção da sua vida está menos sujeita aos condicionamentos da infância se você persiste nesse tipo de pensamento para explicar tudo você entendeu tudo errado.
Vou reescrever o que entendo da frase acima:
“Fiquei machucada com meu ex (porque fechei os olhos para muito dos meus comportamentos) e agora acho que todos os homens são iguais e trato todos eles com frieza (porque quero e vi que é bem mais confortável ser narcisista como ele foi do que ser generoso e aberto para a vida)!”. Lembre-se, o passado não te condena à nada. Então, não se apoie nele para sentir menos responsabilidade por cada ação no seu cotidiano. O que você é e o que você pode vir a ser só depende de você, do que você faz agora, no presente, pra mudar.
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